Aproximamo-nos das páginas finais do romance de Peter Ackroyd e ganha importância a lição por ele aprendida na visita à Caverna e ao Povo da Toupeira: mesmo confrontados com as maiores evidências, deveremos tomar como estratégia do conhecimento a aplicação da dúvida metódica. E essa é uma mensagem profundamente subversiva, pois, basta olhar para a nossa realidade e desde bufões, que costumavam dizer não ter dúvidas e raramente se enganavam, até aos fanáticos, que matam na Síria, no Iraque, em França ou no Quénia apenas por verem no Outro alguém que não se acomoda às suas certezas, estamos rodeados de gente muito perigosa. Um pouco por todo o lado sobram inquisidores dispostos a calar quem combate os seus dogmas.
Platão irá ser julgado, porque dirige-se aos jovens ociosos e coloca-lhes perguntas, que os irão perturbar: “Já alguma vez consideraste que as nossas vidas são uma forma de sonho e que é altura de acordar? E se estivermos a ser sonhados pelas pessoas da Toupeira? E se os tivermos sonhado nós? E se o divino humano nunca tiver acordado e todas as idades forem parte do tecido do seu sono.” (pág. 152)
Há alturas em que o juiz teme levar a sua sentença até às últimas consequências. Porque ele próprio se põe a duvidar. É o que acontece nessa Londres do século XXXVIII em que a decisão acaba por ser a de não haver sentença. Mais valerá diminuir a importância do subversivo dando-o como uma espécie de sonhador a que não se deverá dar excessiva atenção.
Sentindo que já pouco o retém à cidade onde sempre vivera, Platão opta por se condenar ao exílio perpétuo, vagueando pelo estrangeiro e interrogando todos com quem se cruzar. Porventura na esperança de voltar a encontrar a entrada para a Caverna onde se sentira mais próximo daquilo que gostaria de ser: “Então Platão abandonou a cidade e nunca mais foi visto. Há muitos que dizem que ele viajou para outras cidades, onde continuou com os seus discursos. Alguns estão convencidos de que existia de facto uma caverna debaixo da Terra e que Platão voltou lá sem ser conhecido e sem ser visto pelo povo da Toupeira. Sidónia e Ornatus acreditam que ele simplesmente entrou noutro sonho.” (pág. 171)
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