Em 1999, quando Günter Grass ganhou o Nobel da Literatura fiquei extremamente feliz. Não tanto quanto ficara no ano anterior com a de José Saramago, que correspondera a um chapadão de todo o tamanho em cavaco silva, santana lopes ou do idiota que dava então a cara como subsecretário de estado da cultura.
Em dois anos consecutivos, a Academia Sueca galardoava escritores, que além da excelência literária, também eram militantes ativos nas causas progressistas em que acreditavam.
Só quase uma década depois viria a ter igual agrado quando Le Clézio também seria reconhecido em 2008.
Günter Grass era, de facto, um autêntico monumento das letras alemãs do pós guerra, mas nunca se eximiu de participar nos debates sobre a sua sociedade. Em certos momentos da sua vida foi reconhecido como a voz da própria Alemanha. Por isso mesmo a notícia da sua morte, aos 87 anos, foi recebida com consternação por muitos que o admiravam. Salman Rushdie, por exemplo, classificou-o de gigante, que muito o inspirou e ajudou.
“Os romances, as novelas e as peças de Grass ilustram as grandes esperanças e erros, as angústias e desejos profundos de várias gerações”, escreveu o presidente alemão Joachim Gauck.
Grass iniciou a sua formação como aprendiz de talhador de pedra e estudou grafismo e escultura antes de se lançar como escritor.
O primeiro sucesso foi «O Tambor», publicado em 1959, e que só descobri através do filme de Volker Schlondorff realizado duas décadas depois. Ele conta a história de uma família de Dantzig desde 1924 até aos anos do governo de Adenauer.
Na década seguinte Günter Grass tornou-se num dos mais eloquentes e escutados intelectuais da República Federal. Era amigo de Willy Brandt e fez campanha pelo SPD em várias campanhas eleitorais a partir de 1965, apoiando a Ostpolitik, então na ordem do dia como estratégia para reduzir as tensões entre o Ocidente e o Bloco Leste.
Foram muitas as vezes em que se envolveu em polémicas, enfrentando com coragem as situações mais desfavoráveis às suas ideias sobre o mundo em geral e a Alemanha em particular. Nomeadamente quando discordou da união entre as duas Alemanhas, que considerou tratar-se de uma anexação de tipo colonialista.
Todos quantos morreram e sofreram à conta das guerras sucessivas causadas pela queda do muro de Berlim constituíram a prova de como tinha razão.
Em 2006 muitos dos mentecaptos, que nunca tinham conseguido ombrear com a sua inteligência, regozijaram-se com a confissão do seu alistamento voluntariamente numa unidade SS quando tinha 17 anos. Imprudentemente julgaram aí encontrar matéria bastante para derrubar a sua dimensão ética. A exemplo de Saramago também criticou com contundência as políticas dos sucessivos governos de Telavive em relação ao povo palestiniano e que desonravam o sofrimento dos seus antepassados durante a Shoah. Essa posição valeu-lhe novas críticas dos que alinham com o fanatismo sionista.
No entanto, se os cães ladram, a caravana passa, Grass ficará como um dos grandes vultos do século XX.
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