No próximo sábado a Cinemateca apresenta «Crónica de Anna Magdalena Bach», o filme de Jean-Marie Straub, já aqui abordado em 22 de março.
Porque se trata de obra fundamental do cinema europeu dos anos 60, vale a pena retomarmos aqui a sua evocação.
A aposta de Straub consistiu dar o papel de Bach ao organista e cravista Gustav Leonhardt, e sem o “envelhecer”. No plano visual fica definida a intenção de escapar ao realismo mais primário.
Outro aspeto interessante tem a ver com a relação amorosa do compositor com a mulher, que assume o papel de narradora da história de ambos, evoluindo na consciência de tudo quanto ela verdadeiramente representou.
O filme será construído tendo por base os longos planos fixos entrecortados aqui e além de um ligeiro travelling. Há planos dos músicos vestidos de acordo com a moda dos tempos em que Bach viveu e a interpretarem trechos de sonatas ou de cantatas.
Cada plano longo inscreve-se numa construção bastante linear, porquanto Straub furta-se a uma repartição cadenciada de «momentos» ou de tensões, que servissem de sinalização rítmica a uma estruturação bem definida.
No seu todo o filme dá a sensação de manter, de fio a pavio, uma tensão equilibrada: não há dramatização nem efeitos artificiais , mas um patamar de audição de música, que é único na cinematografia mundial.
O argumento é decerto a componente fundamental do filme. A montagem é nervosa para escapar à regra de haver uma introdução e uma conclusão entre cada sequência. É essa a metodologia a que Straub recorre para manter um ritmo bem distinto do das peças musicais, onde avultam os contrastes entre tempos fortes e fracos.
«Crónica de Anna Magdalena Bach» dá assim a impressão de ser uma superfície lisa, sem significados, com algumas súbitas derivações, que lhe permitem evoluir sem sobrecargas.
Há uma ambiciosa narrativa sem que se conte uma história: há uma evolução temporal sem que haja recurso a estratégias rotineiras (expressões de rosto, inserção de datas, etc) para elucidar sobre a história amorosa do casal Bach implícita no que sugere a voz feminina , tratada como se de matéria musical se tratasse, em disputa com a voz masculina.
Poderíamos dizer que Straub andou a complicar sem necessidade mas, recorrendo a maior concentração, constatamos que o filme evolui cronologicamente: começa quando Bach tem 35 anos e conclui-se com a sua morte tranquila. E em vez de secundarizar a vertente musical do filme, a escolha do autor lega-nos uma obra particularmente hábil, simples e luminosa.
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