quarta-feira, abril 21, 2021

(P) Um rio como símbolo emancipador de uma nação

 

Duas nascentes irrompem na floresta de Sitava, no sul da República Checa, para darem origem ao rio Vitava ou Moldava, que percorre todo o país de sul para norte. Berich Smetana, que deu-lhe o título do segundo poema sinfónico dos seis, que compõem a sua obra maior, A Minha Pátria, conta em forma de música esse nascimento e lento serpentear por planícies e florestas, que associa aos grandes momentos de revolta do seu povo pela emancipação. De facto, foi com o rio a fluir no vale abaixo, que o castelo de Vyšehrad serviu de berço à insurreição planeada pelo duque de Krok para, no século X, libertar-se do ocupante germânico, naquele que foi o momento fundador da vontade dos boémios em constituírem-se como nação independente. O Vitava teria sido, assim, incisiva testemunha de uma contínua sucessão de lutas para que se viesse a alcançar esse objetivo.

Quando criou esta obra maior do ciclo de grandes obras orquestrais, assinadas por compositores desejosos de verem as suas nações emancipadas, Bedrich Smetana estava a passar por graves dificuldades pessoais: perdera a audição e, logo a seguir, o cargo de chefe de orquestra da Ópera de Praga. Tendo cinquenta anos e quase nenhuns recursos para sobreviver, foi-se alojar em casa da filha e do genro em Jabkenice a setenta quilómetros da capital. Fazendo frequentes passeios pelos bosques circundantes ele foi criando internamente as pautas, que configurariam as suas obras maiores nos dez anos seguintes.

Recordando a sua própria participação nas revoltas de 1848 concluiu o último dos seis poemas sinfónicos com a evocação da lenda do monte Blanik que albergaria milhares de cavaleiros adormecidos prontos para voltarem à peleja tão só  o povo checo se levantasse de novo contra os seus opressores.

Toda esta obra é lindíssima de se ouvir, integrando amiúde a programação das salas de concertos. Pessoalmente não consigo calcular quantas vezes as já vi interpretadas na Gulbenkian ou no CCB. E, assim a Elza recupere, para que possamos voltar aos hábitos melómanos, não enjeito a possibilidade de a rever noutras tantas oportunidades... 

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