quarta-feira, abril 07, 2021

(DL) Não dá para transformar a antipatia em simpatia, mas...

 

Nunca me passaria pela cabeça ler, e muito menos comprar, um livro dedicado à personalidade de Vasco Pulido Valente. Como disse alguém que o conheceu, o Vasco nunca foi polido, muito menos valente. Mas a entrevista de Luis Caetano a João Céu e Silva, que acaba de publicar este livro no âmbito de outras longas viagens, que já fez com outros nomes da literatura portuguesa, mormente Saramago e quem dele ganhou odiosa inveja, acaba por justificar alguma atenção. De tal forma que fui logo ler as primeiras páginas do livro e fiquei interessado.

Porquê? Talvez porque reconheça Vasco Pulido Valente como um dos nossos historiadores, que melhor aprofundou o século XIX português, ainda tão influente no nosso imaginário coletivo. E dado que as alternativas às suas investigações não são muitas teremos sempre de contar com quanto sobre ele escreveu sobre as lutas entre os liberais e os miguelistas no primeiro terço desse século ou o que depois significou o fontismo.  Entre o que escreveu e o que escrevinhou uma tal Bonifácia, que por aí anda a grasnar, não há como o escolher como fonte mais fiável.

Mas o que Céu e Silva descobriu nas dezenas de horas em que lhe ouviu as memórias merece ser registado: que Salazar foi o ungido pela poderosa Igreja Católica para tomar conta do país, embora pudesse ter sido outra a escolha dos seus titereiros, que facilmente encontrariam outras e fiáveis réplicas em tacanhez e beatice. Também a frustração de Vasco em não ter conseguido ser o guru de uma Direita liberta dessas peias, porque, mau tribuno, precisava de Sá Carneiro para ser o rosto dessa estratégia de que se via como única eminência parda. O acidente de Camarate - que ele não tinha dúvidas em classificar enquanto tal! - cerceou-lhe o sentido da vida, deixando-a nessa terra de ninguém em que já nem se sentia historiador, jornalista, nem sequer político, muito embora Fernando Nogueira lhe tivesse dado efémera cadeira de deputado e de secretário de Estado.

Revelação substantiva também a da mui diferente relação entre Sá Carneiro e Snu Abecassis, em nada consonante com os bacocos romantismos com que filmes e séries televisivas a vêm mistificando: ambos eivados de culpabilizações intimas pelo pecado que cometiam, viviam essa relação mais como um incómodo do que como efetivo deleite. E fica enfim o seu reconhecimento quanto a Mário Soares: acabaria por tanto o admirar, que se sabia descansado ao ir para a cama todas as noites quando a governação do país lhe estava confiada.

Afinal até me vejo capaz a rever alguma antipatia que sempre alimentei pelo personagem...

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