quarta-feira, abril 21, 2021

(DIM) O que a música de A Ponte do Rio Kwai me faz lembrar

 

Esta noite, num dos canais da RTP, há nova oportunidade para rever A Ponte do Rio Kwai. E, sempre que o filme me reencontra nas esquinas do tempo, recordo sempre o episódio acontecicido no paquete Funchal no ano de 1990 e que nunca mais esqueci. Dele já falei numa ou noutra ocasião e por isso vou recordar brevemente do que se tratou: passada a época dos cruzeiros pelos fiordes o navio foi afretado por uma agência de navegação alemã por conta de uma organização nazi, que pretendeu fazer o périplo por várias zonas do Mar do Norte e do Mar Báltico onde navios e submarinos alemães tinham sido afundados durante a Segunda Guerra Mundial. Em cada um desses pontos na carta de bordo deveríamos parar as máquinas, ficando a pairar enquanto os passageiros faziam uma breve cerimónia com discursos e coroas de flores atiradas para o mar.

O que nunca aqui contei foi a forma como depressa concluí que aquele cruzeiro seria único na minha vida, porque nunca sairia da área da tripulação limitando-me a fazer o triângulo entre o camarote, a messe dos oficiais e a casa das máquinas. Ir a salões ou a restaurantes para conviver com os passageiros nem pensar. E porquê? É aí que o filme do David Lean é chamado à colação: como de costume, tão-só embarcados os passageiros em Bremerhaven e concluídas as manobras de saída do porto, acontecia o primeiro evento da viagem antes do primeiro jantar: a apresentação dos oficiais aos passageiros.

Normalmente a música era outra que não a escolhida pela orquestra para, nessa noite, sermos chamados ao palco e apresentados um a um e colhermos as palmas daqueles por cuja segurança éramos responsáveis. Naquela noite, ao que diria depois sem que tivesse sido intencional no efeito que provocaria nos passageiros, o responsável pela orquestra, fez-nos entrar no salão ao som da música do filme de Lean passado na Segunda Guerra Mundial e, mesmo que tendo os japoneses como maus da fita, ninguém ignorava ali haver sub-reptíciamente uma alusão à derrota alemã nesse conflito.

Se a cerimónia costumava ser rotineira naquele dia vimos os passageiros entreolharem-se e rapidamente comungarem na decisão de se quedarem estáticos sem nos baterem as costumadas palmas.

Depressa percebemos que esses dias seriam de uma estranha insuportabilidade, porque nunca ocorrera uma tão evidente estratificação entre o pessoal de bordo e os que nele viajavam. Dias depois, após múltiplas paragens, umas quantas conferências e projeção de filmes nazis no cinema do navio, foi com um forte suspiro de alívio, que vimos tão inauditos passageiros voltarem a pisar o cais do mesmo porto de Bremerhaven. Sem se lhes associar o ritmo da marcha de Malcolm Arnold... 

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