segunda-feira, abril 19, 2021

(DL) A idade do Homem segundo Michel Leiris

 

À partida há a insatisfação consigo mesmo: “acabo de fazer trinta e quatro anos, a metade da minha vida. Fisicamente sou mediano, mais para o pequeno”. Assim começa o livro fundador da autobiografia contemporânea, escrito na primeira pessoa, e tido como padrão de como os escritores iriam narrar-se a si mesmos daí por diante. Nesse sentido o norueguês Karl Ove Knausgård, um dos autores contemporâneos mais conhecidos - sendo escandinavo um dia destes não escapa ao Nobel! -  não inventou nada. Porque, neste livro escrito entre o final e 1930 e 1935, mas só publicado em 1939, Michel Leiris faz um autorretrato sem concessões de si mesmo desde a mais remota infância ao estado adulto, quando casou e andou a fazer uma cura psicanalítica. Há um confronto permanente entre as evocações do passado e as múltiplas associações e ressonâncias, profusamente detalhadas até aos mais ínfimos detalhes.

Se, ainda a propósito do autor norueguês, costumo ironizar com o facto de o mero facto de se sentar numa sala vazia lhe sugerir matéria para preencher meia dúzia de páginas  em qualquer dos seus livros, Leiris antecipou-se várias décadas nessa mesma característica. Sendo comuns a um e a outro as frases longas e complexas em que os tempos se misturam sem qualquer comedimento.

Para Leiris a escrita é uma catarse, que mediante a confissão, permite extravasar as emoções. Nesse sentido representa o oposto de um Sartre, que não tardaria a conferir à literatura a responsabilidade moral de se comprometer com as mudanças sociais e políticas do seu tempo. Para o autor de L´Âge de l’homme  o compromisso do escritor deveria acontecer exclusivamente consigo mesmo. E teimaria em manter-se nessa via autobiográfica até 1988, ou seja dois anos antes de morrer, quando publicou o seu último título.

Pessoalmente não me entusiasma particularmente esta escrita na primeira pessoa e tendo existências banais a sustentar o relato.  Mas não deixa de ser curiosa a forma como, da mistura entre o surrealismo, onde pontificou, e a psicanálise, Leiris encontrou sempre forma de se esmiuçar e relatar os resultados das suas íntimas descobertas.

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