Sempre gostei de filmes de terror bem feitos. E até dos mal feitos por me permitirem a catarse dos medos interiores através do riso pelo que se mostra tão mal dirigido, narrado e interpretado. Racional e ateu, não beneficio das ferramentas de autoproteção que os outros encontram na religião ou noutras superstições alternativas. E quão necessárias são quando nos faltam respostas para as dificuldades por que vamos passando.
Não deixa de ser curioso que, antes da atual pandemia, já o cinema trilhava por muitos caminhos que estariam, involuntariamente, a anunciá-la. Assim aconteceu com os dois filmes que, hoje, vi, um de 2018, o outro do ano anterior.
O primeiro, Endzeit da realizadora alemã Carolina Hellsgård, é mais do que um vulgar filme de zombies. O mundo foi afetado por um vírus, apenas sobrando duas cidades - Weimar e Iena - em que a população escapou à condição de mortos-vivos entrincheirando-se atrás de barreiras e vedações de arame farpado, que algum Trump de circunstância mandou levantar,. Duas dessas sobreviventes, Vi e Eva, decidem ir de uma cidade para a outra na esperança de cumprirem os respetivos objetivos: a primeira procurar o cadáver da jovem irmã, que não conseguiu salvar e a quem pretende dar a devida sepultura, a outra apenas apostada em sentir-se melhor do que no sítio onde lhe dão as tarefas mais ingratas, como seja a de executar quem fica contaminado com o mal.
O road movie desenvolve-se de acordo com a lógica habitual dos momentos de acalmia - capazes de sossegarem as protagonistas -, alternarem com os ataques traiçoeiros das maléficas criaturas. O que Vi não sabe é também Eva ter sido mordida e estar na contagem decrescente para a indesejada transformação.
Há oásis onde seria grata a oportunidade de assentar, mas uma terceira pessoa a interpor-se na pressentida relação amorosa entre as duas raparigas leva-as a optarem por continuarem juntas, virando costas à cidade que tinham apontado como seu novo porto de abrigo. E quem pode negar que, perante dificuldades extremas, não é o Amor a verdadeira janela iluminada?
Vida Inteligente, uma produção americana a cargo de Daniel Espinosa, tem como cenário uma estação espacial a orbitar em volta da Terra. A ela chegam as amostras marcianas colhidas pela Missão Pilgrim nas quais se deteta, pela primeira vez, a demonstração plena de vida extraterrestre.
O encantamento com a descoberta é tal que o ser celular devolvido à vida por Hugh da sua imemorial hibernação, recebe o cordial nome de Calvin, escolhido pelos alunos de uma das milhares de escolas norte-americanas. O pior é o que se segue: o organismo começa a crescer, a ganhar complexidade e competências, que o tornam incontrolável. Bem tentam os seis astronautas livrar-se dele de acordo com as mais engenhosas soluções, que a todas o monstro neutraliza, ficando pelo contrário mais forte de cada uma delas. E, um a um, todos eles vão tendo mortes horríveis. Nem mesmo a derradeira tentativa, a de o atrair a uma armadilha e levá-lo para o espaço profundo, acaba por resultar. Algures numa baía asiática os pescadores abrem a cápsula tombada do espaço e, sem o saberem, abrem a caixa de Pandora, que poderá pôr em causa a civilização humana.
Num e noutro título a mesma preocupação em mostrarem-nos o quanto somos frágeis perante o desconhecido. E que, sempre desejável, nem mesmo a solidariedade entre os que enfrentam as ameaças, bastam para as neutralizar. Perante o desconhecido faltam-nos os mecanismos de defesa, que possam aquietar-nos os temores. Ora a atual pandemia é um bom exemplo de como podemo-nos sentir muito pequeninos, mesmo contra um vírus invisível. Mas não só: tantas outras vicissitudes nos confrontam com a incapacidade de transformarmos as realidades de acordo com os nossos desejos. Nessas alturas somos como estes personagens: apenas preocupados em sobrevivermos tanto quanto possível.
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