quinta-feira, abril 29, 2021

(G) O período galego da obra de Picasso

 

Há quem defenda que A Menina dos Pés Descalços é o primeiro quadro de Pablo Picasso, mas quem pode asseverar essa hipótese sobre um pintor de produtividade tão intensa, que propunha darem-lhe um museu, que logo ele trataria de o encher com as suas obras? Ademais ele negava que pintasse o que via, porque para a tela vertia os conteúdos dos seus pensamentos. Que eram obviamente torrenciais...

A sua vida e obra é tão rica, que quase nunca é abordado o período de quatro anos em que viveu na Corunha. Tinha dez anos, quando ali chegou em 1891, porque o pai fora convidado para ser professor no liceu da cidade, prolongando-se a estadia por quatro anos até a irmã morrer de difteria e a família considerar impossível persistir num sítio onde tal tragédia ocorrera.

Vinda da solar Málaga, o jovem Pablo confronta-se com a soturnidade de uma Galiza onde grassava a pobreza. Ali lhe germinou uma consciência política, que nunca deixaria de o acompanhar até ao fim dos seus dias. Tornou-se também um aluno insubmisso faltando, amiúde, às aulas para passear à beira-mar vendo o mar selvagem do largo a acalmar-se na baía formada pela praia de Orzán. Mas a atenção não se prendeu tão-só com o espetáculo da Natureza, porque outro o aliciou: espreitar para dentro das barracas alugadas aos banhistas conseguindo a inolvidável descoberta da nudez de um corpo feminino.

Gostava, igualmente, de passear até à Torre Hércules, que crismou de Torre Caramelo. Farol do tempo dos romanos é o mais antigo em atividade e a ninguém escapa a evidente forma fálica. Segundo a lenda Hércules teria fundado a cidade depois de matar um gigante e ter-lhe cortado a cabeça enterrando-a nos alicerces do que seria esse edifício.

Quando se cansou das zonas costeiras, Pablo pôs-se a descobrir as ruas labirínticas da cidade para descobrir as pessoas das classes desfavorecidas e sobretudo as mulheres nelas inseridas. A rapariga dos pés descalços decorre dessas descobertas e integraria uma exposição com artistas locais, que levaria a imprensa a apresenta-lo como verdadeiro prodígio.

Assistiu e, porventura, participou nas primeiras manifestações, que lhe reiteraram o desejo de uma sociedade mais justa. Nalguns quadros - isso já é evidente em O Homem da Manta, também de 1895 - há o despontar de um protocubismo, que iria manifesta-se duas décadas depois.

Não tendo ainda grandes obras a pontuar esta fase, Picasso sempre manifestou grande carinho por ela, levando os quadros de então datados, para os seus futuros ateliês nunca deixando de os identificar como o início de um percurso, que se traduziria nos vários períodos posteriores da sua obra. 

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