Na fotografia a antropóloga belga Bessora está a conversar com Peter Ammermann, que, em 1948, foi uma das oitenta e três crianças recolhidas na Alemanha em ruínas por uma Associação de beneficência sul-africana, que pretendia acrescentar a essas mais dez mil, indiscutivelmente arianas, para melhorarem o tom da pele da população daquele país, no mesmo ano em que os afrikanders ganharam as eleições e assim levaram por diante as promessas de instituírem o apartheid e proibirem o Partido Comunista. Que o projeto ficou-se pela primeira fase não obsta a que muitas dessas crianças se sujeitassem a maus tratos e a um doutrinamento muito semelhante ao que haviam conhecido antes da derrota definitiva de Hitler.
Peter relatou a Bessora a experiência traumática, que o fez involuntário porta-voz dos que se sentiram violados nos direitos de permanecerem no seu espaço natural e nele crescerem. Na África do Sul converteram-se em peças indiferenciadas de uma experiência social, que os obrigou a questionarem-se toda a vida sobre a sua identidade.
No romance agora publicado - Les Orphelins na editora JC Lattès - Bessora ficciona a história para a tornar mais abrangente a outras ouvidas a quem passou pela mesma experiência e por isso imaginou o relato que o velho Wolf, a recuperar de uma tentativa de assassinato, faz à sua irmã gémea sobre o sucedido setenta anos antes, quando apenas contava oito anos e se viu numa terra onde não conhecia ninguém, nem nela encontrava quem lhe prodigalizasse o mínimo afeto.
Avulta o sectarismo da comunidade para a qual fora enviado e de como se tornara tão difícil reencontrar a verdadeira identidade, muito diferente daquela que tinham pretendido impor-lhe.
Passados já alguns anos sobre a sua irreversível obsolescência o regime do apartheid, ele continua a revelar-nos facetas, que nos eram completamente desconhecidas...
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