Sylvia Scarlett foi um tremendo fracasso comercial, quando se estreou em 1935. Tão rotundo, que Katharine Hepburn até pediu desculpa aos produtores da RKO comprometendo-se a entrar num filme subsequente sem cobrar salário. Mas confirmava-se aí a condição de «veneno de bilheteira», que a fez purgar breve pena na Broadway antes de voltar a Hollywood para se consagrar como uma das suas atrizes mais bem sucedidas.
Remetido para o limbo dos flops o filme viria a ser redescoberto e valorizado pela comunidade LGBT, que se encantou com a ideia da protagonista passar quase todo o filme travestizada num homem e até passar pela situação de ser beijada por outra mulher. O que espanta é como os censores do código Hayes deixaram passar essa cena explicitamente lésbica!!
Nem bem comédia, mas sem chegar a melodrama (mesmo que o personagem interpretado por Edmund Gwenn morra tragicamente à beira-mar!) o filme demonstra que, apesar de ser reconhecido como um excelente realizador de filmes com mulheres nos papéis principais, George Cukor não chegava aos calcanhares de Lubitsch ou Howard Hawks. Mas vale sobretudo pelos maravilhosos desempenhos de todos os atores, os principais e os secundários, nenhum deles interpretando personagens que correspondam a qualquer estereotipado modelo de virtudes. Pelo contrário existe uma ambivalência amoral, que explica por que os espectadores desses anos 30 não encontraram motivos para se identificarem com a complexidade de todos eles: porque há o velho trafulha sem jeito para as trafulhices, o jovem vigarista sem escrúpulos, a rapariga inocente mas capaz de se disfarçar de rapaz para livrar o pai da perseguição policial, a antiga criada promovida a atriz de cabaré e compulsivamente adúltera, o pintor burguês cujo dandismo justifica que não perca de vista o umbigo ou a refugiada russa meio perdida nas suas estratégias de sobrevivência.
Embora desequilibrado e com uma montagem, que acentua essa sensação, Sylvia Scarlett merece ser visto como exemplo do tipo de filmes em que realizador e os atores iam tirocinando nos primeiros anos do cinema sonoro para almejarem obras futuras mais interessantes. Enquanto objeto museológico revela-se incontornável até pela forma como procurava abordar temas tabus da época contornando-os com uma subtileza, que ainda surpreende.
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