Há o personagem do Alberto Moravia, jornalista de viagens prestes a embarcar num cruzeiro no Nilo sobre o qual deverá escrever uma reportagem e que, antes de subir o portaló, já põe no correio o texto destinado a ser publicado. Exemplo lapidar dos que preparam seriamente as experiências que se aprestam a conhecer.
Segundo Francisco José Viegas, que lhe anda a publicar os relatos de viagens ma Quetzal, Ramalho Ortigão era desses: antes de qualquer partida para lugares desconhecidos lia tudo quanto deles pudesse abarcar de forma a explorar intensamente o que se lhe deparasse perante os olhos. Mais do que o inesperado visava dar largas aos benefícios da erudição. Com vantagem? Tenho as minhas dúvidas!
Confesso não ter grande simpatia por esse contemporâneo de Eça, que buscava noutras paisagens a fuga à “piolheira”, que os seus companheiros da Geração de 70 consideravam grassar neste cantinho á beira-mar plantado. E, sobretudo no seu Porto natal.
Sempre que parti para viajar, raramente me preparei para tal. Talvez por, precocemente, o intentei sem sucesso e esbarrei de caras com a minha insensatez: por exemplo planear ver numa só manhã o Museu da História Natural, o das Ciências e o Victoria & Albert em Londres, quando cada um deles exige bem um dia para os aflorar apenas pela rama.
Talvez por isso sempre foi mais fácil entregar-me ao improviso. Nada planear e, em cima do acontecimento, decidir-me por algo de inesperado: por exemplo estar farto de aturar a berlusconiana guia, que nos calhou em Florença, e mandá-la ás malvas para irmos descobrir a Galeria dos Uffizi. Ou sair dos roteiros mais turísticos de Veneza e deparar-me com a Ilha de San Michele ao virar de uma esquina já bem afastada do Rialto ou da Praça de São Marcos. Ou, em Londres, descobrir a Wallace Collection e ali por perto dar de caras com a ainda viva Amy Winehouse, indisfarçável no seu verticalíssimo penteado.
Não sei se o futuro permitirá que haja novas descobertas longe da segurança hospitalar aqui perto de casa, mas, a acontecer, continuaremos a alhear-nos do exemplo do dandy novecentista e deixar que aconteçam as surpresas em vez de as diluir em estéreis preparações.
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