sexta-feira, agosto 06, 2021

A História e os romances que a abordam

 

Que a realidade é muito mais complexa do que parece demostram-no algumas coisas, que venho lendo ou vendo nos dias mais recentes. Por exemplo a ideia falsa de um Condado Portucalense em permanente guerra com os vizinhos mouros, depois agudizada pelas incursões de Afonso Henriques por esse Mondego abaixo. O tetravô do primeiro rei português, que liderou esse território entre 997 e 1008, não se inibiu de encomendar a artesãos de Córdova alguns objetos pessoais ainda hoje existentes na coleção da Sé de Braga. E, nesta, a Capela de Nossa Senhora da Glória ostenta nas paredes uns frescos de inspiração mudéjar, que demonstra como, um século depois da anexação do Algarve ao território português, a influência cultural mourisca ainda pesava nas construções mesmo quando elas se subordinavam ao culto católico.

Sobre esse período da (pré)História portuguesa nunca me poupo a tecer grandes elogios ao romance Os Anais de Pena Ventosa  de Pedro Eiras que, publicado há vinte anos, bem mereceria reedição perante o facto de, há muito estar esgotado: se adquiri uma noção muito aproximada do que terá sido a vida entre os rios Mondego e Minho nessa época a essa ficção a devo.

Mas a História deve ser olhada com cautelas tendo em conta ser a invariável tradução do ponto de vista dos vencedores. Por isso há que olhar com desconfiança para as fontes de que nos socorremos para chegarmos a muitas das conclusões. Por exemplo em entrevista muito interessante numa das edições do «Público» desta semana, o historiador Valentim Alexandre alertou para os perigos de aceitar como boas as «informações» colhidas nos arquivos da Pide, muitas delas resultantes de tortura e, por isso mesmo, apenas coincidentes com as «conclusões» pretendidas pelos torcionários. No dia seguinte Fernando Rosas contrariava a perspetiva de Marcelo Rebelo de Sousa quanto à necessidade de aprofundar o conhecimento da Guerra Colonial sem abrir feridas, porque fazer História com rigor implica precisamente vê-las sangrar, mormente quanto aos massacres cometidos pelos portugueses contra as populações africanas, que tantos procuram silenciar.

Outro escritor fundamental para, através dos seus romances, conhecermos a realidade do Nordeste brasileiro, dominado por coronéis e jagunços, foi Jorge Amado. Também ele mostrou como a História pode ser revelada através de personagens inesquecíveis. Fica o registo dele nos ter deixado faz hoje vinte anos e continuar-nos a encantar com muitos dos seus romances. 

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