sábado, maio 22, 2021

O Telefone Negro, poema de Francisco Brines

 

Marquei os números antigos com um vago desejo de respostas,

sabendo já que ninguém me esperava.

Com um desejo vão de ouvir vozes amadas

e que reconhecessem também a minha voz.

Meu telefone é negro,

e na noite ainda mais negra,

somente ouvia o som que chamava uns sepulcros.

E eu sozinho em casa.

______________________ Rasga-se a manhã

nos vidros turvos. Vai chegando o Verão.

Cantam os pássaros (os mesmos?),

E não sei se há consolo.

 

_____Com a luz que nua amanhece,

nu, entro em casa,

_____________________ e toca o telefone.

Apresso-me. Digo-lhe que me fale.

Continua o silêncio, sei que estão a falar.

Sai a voz de alguma boca morta,

ou, acaso, de tão só, em mim há surdez?

Oiço outra vez os pássaros. E sei que são os mesmos

que então cantavam, tão eternos e frágeis.

Tenho que falar. Com quem,

se não saem também sons da minha boca?

Francisco Brines

in “A última costa”, Assírio & Alvim,                                                                     Lisboa, 1997

tradução de José Bento

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