quinta-feira, maio 06, 2021

Pode-se ser feliz onde já se foi?

 

Nada mais paradoxal do que este título, porque exprime o exato contrário da minha condição de espectador de cinema e o dos personagens do filme a que reporta. Porque, em alturas muito particulares da vida - e esta é-o! - preciso de coisas bonitas, que me sirvam de algum consolo. Porque o Belo e a Consolação continuam a ser moeda de duas faces, que convém ter de reserva quando as dificuldades apertam. Razão para revisitar In the Mood for Love, o filme que Wong Kar-Wai estreou no ano zero do novo milénio, que me serve esse propósito na perfeição. Porque há essa Hong Kong do início dos anos sessenta, que já não encontrei quando aí aterrei trinta anos depois, porque era cidade escura, feita de esquinas e recantos onde os amores clandestinos poderiam germinar. Há a banda sonora belíssima, que tanto me acompanhou desde então, apenas enquanto tal. Ou a elegância encantatória de Tony Leung e, sobretudo a de Maggie Leung, que avança como se movida por força evanescente.

No incipit do filme - sim!, defendo o uso da expressão também para as imagens em movimento, mesmo que a queiram cingir aos textos literários ou às partituras musicais - uma legenda, sintetiza-o na perfeição:

“É um momento de inquietação. Ela manteve a cabeça baixa para possibilitar que ele se aproximasse mais. Mas ele não foi capaz por falta de coragem. Ela volta-se e afasta-se!”

Temos assim um homem e uma mulher, que sabem-se traídos pelos respetivos conjugues e se aproximam até faltar o pequeno clique que os faça cair nos braços um do outro. Porque dão demasiada importância à coscuvilhice dos vizinhos, que se entretém interminavelmente nas partidas do mahjong, mas sobretudo mantém os sentidos alerta para tudo quanto possa servir a sua curiosidade alcoviteira. Choe e Su tocam-se subtilmente, mas as mãos logo se afastam, assustadas com a ousadia, que temem assumir. E nós ali a perguntarmo-nos, porquê tanta prudência, se não mesmo pudor. Ou talvez seja apenas a tal questão de coragem da legenda inicial ou a falta dela.

E o paradoxo é este: eu gosto de regressar a este filme, porque me faz bem revê-lo. É a certeza de regressar a um lugar onde me sei sempre feliz e onde o voltarei sempre a ser. E, no entanto, os dois personagens, Chow e Su, não só não o são, como o continuarão a não ser muitos anos depois, Porque ele volta ali à procura de um passado, que sabe improvável encontrar, sem imaginar o quanto dela se desencontra porque ali continuou a morar.

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