É bem conhecida a imagem caricatural que uma boa parte dos brasileiros tem dos portugueses. Infelizmente os nossos compatriotas que emigraram para o outro lado do oceano ao longo do século XX muito contribuíram para essa imagem, porque levaram consigo muito do que de pior faz a «Arte de ser português», deixando aqui as possíveis virtudes.
O casal português cujas filhas protagonizam A Vida Invisível de Karim Aïnouz, é mesmo assim: ele dono de uma panificadora e com um código de valores que coincide com o do Portugal ultramontano. A mulher, submissa e incapaz de dar apoio às filhas quando elas mais dela precisam.
Conhecemos Guida e Eurídice, quando têm respetivamente 20 e 18 anos. A primeira anseia por viver um Amor maiúsculo e por isso não hesita em fugir com um marinheiro grego, Yorgos, que depressa se revela um canalha. A segunda tem grande talento para a música e só pensa em ser pianista.
Apesar da enorme amizade que as une, a fuga de Guida para a Europa provoca um tal corte entre ambas, que nunca mais se irão reencontrar, embora façam os possíveis por o conseguir. Mas a mentira de Manuel Gusmão, que sobrepõe o desejo de punição ao eventual amor que sentisse pela primogénita, irá impedir esse anseio de ambas.
Só demasiado tarde Euridice descobre as cartas que a irmã lhe escrevera durante anos a fio, quando o Tempo já cuidara de inviabilizar definitivamente esse reencontro.
O Tempo é, de facto, um dos personagens deste filme, que adapta o romance de uma escritora pernambucana - Marta Batalha - embora os temas mais pertinentes sejam o das mulheres dos anos 50 não terem a mínima hipótese de escaparem aos ditames masculinos ou as das dores inerentes às separações familiares, que já tinham surgido em obras anteriores do mesmo realizador.
A invisibilidade do título tem a ver com isso: como se fez ausente aquele que tão presente sempre esteve (e como isto me diz tanto nesta altura da vida!) e de como, numa sociedade formatada de acordo com a vontade masculina, a das mulheres está condenada a apagar-se.
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