sábado, maio 29, 2021

A redenção através da redescoberta do Amor em «No Coração da Escuridão» de Paul Schrader (2017)

 

Há um homem acossado por incurável sentimento de culpa: ao respeitar a tradição militar da família mandara o único filho alistar-se no exército e ele morrera seis meses depois no Iraque. O casamento não resistira a essa perda irreparável.

A redenção encontrara-a momentaneamente na assumpção do cargo de pastor de uma igreja batista à beira de comemorar duzentos e cinquenta anos. Mas há em Toller a angústia sobre os desígnios de Deus, quando não encontra resposta para o sofrimento a si reservado, ou para o dos outros, que não encontram consolo nas suas prédicas ambíguas?

A expressão de íntima aflição ainda mais se agrava perante o dilema por que passa um casal de ambientalistas da sua congregação: Mary engravidou mas Michael quer que aborte por ser uma irresponsabilidade trazer uma criança a este mundo condenado a converter-se numa distopia apocalítica por culpa das indústrias poluentes. E embora vá contra os princípios, que deveria defender, como pode ele discordar do rapaz quando o próprio governo trumpista negava as evidências das alterações climáticas? Ou como conciliar a função pascal com a consciência de ter o principal industrial da região como mecenas a financiar a comemoração da sua igreja sendo evidente que a fortuna lhe proviera da extração de petróleo e da produção de fertilizantes?

Há ainda a consciência da saúde lhe estar a minguar: um cancro mina-o e o único «remédio», que lhe alivia as dores é o álcool.

Às tantas - sobretudo após o suicídio de Michael! - Toller toma para si a tarefa de levar até ao fim o ato sacrificial, que ele planeara através da explosão de um colete a envergar debaixo das vestes. Olhamos para Ethan Hawke e vemo-lo a assumir a reencarnação de Travis Bickle, que o mesmo Paul Schrader  inventara quarenta anos antes para Scorcese rodar o seu Taxi Driver. Mas os anos adoçaram o coração do realizador, que da escuridão do título do filme fez emergir a luminosa redenção através da redescoberta do amor.

Num certo sentido o happy end roseou a história taciturna. Mas, neste momento específico da vida não ando eu mesmo à procura de que ele também me apareça na esquina ilustrativa deste período difícil? 

Sem comentários: