Até o ateu mais empedernido, como é o meu caso, tem de reconhecer a majestosidade da Basílica de São Pedro, quando se entra na Praça do mesmo nome em Roma. Monumento imponente da Renascença continua a ser uma das maiores igrejas dos nossos dias remetendo, através das colunas e arcadas, para os grandes templos da Antiguidade. E, no entanto, recuando apenas algumas décadas, antes de se iniciar s sua construção em 1506, ela era liminarmente irrealizável, por não existirem os conhecimentos matemáticos, físicos e de mecânica necessários para a tornarem possível. Nem tão pouco quem a soubesse planear e dirigir. Foi o surgimento de uma geração de génios, muitos deles dotados de talentos inventivos e artísticos, que saberiam traduzir multidisplinarmente num conjunto memorável de grandes obras de referência deste período, entre as quais a Basílica em causa.
Leonardo da Vinci e Miguel Ângelo foram, porventura, os mais superlativos na capacidade de recolherem saberes e os traduzirem inovadoramente. E, no caso da Basílica de São Pedro é o segundo quem nela imprimirá mais profundamente a sua marca, aliando as competências de mestre-de-obras, de arquiteto, de escultor e pintor. Sem jamais deixar de manter a sua influência como erudito e polemista, como arquétipo do homem moderno do sue tempo. Mas antes já criara o seu David, uma das esculturas mais célebres da História da Arte. Numa altura em que a arte e a cultura, o saber e a tecnologia deram um enorme salto em frente foram homens da sua estatura que corporizaram as mudanças prodigiosas então em curso.
Não se tratava ainda de uma mudança de perspetiva quanto à questão da criação do Homem ou de Deus, que Baruch Espinosa viria a propor no século seguinte, mas acelerava-se para aquilo que hoje é crescente evidência para muitos: que o sentimento religioso é uma criação humana e, como tal, passível de ser devidamente minimizado pelo primado científico, que não reconhece absurdas divindades por não se sujeitarem aos mais elementares critérios quanto à demonstração não da sua existência.
Quando, nove anos depois do David, Miguel Ângelo criou a estátua de Moisés para figurar no túmulo do Papa Júlio II, Miguel Ângelo deu-lhe a aparência dos deuses da Antiguidade através das barbas imponentes. Reconhecia, assim, o quanto aprendera com os artistas gregos e romanos, mas também demonstrava o quanto esse saber contribuíra para criar algo de novo, algo que marcaria doravante a grande revolução artística e científica, que caracterizaria esse século XVI.
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