quarta-feira, novembro 04, 2020

(DL) O Capital do Século XXI, Thomas Piketty

 


As escassas livrarias vão dando algum (merecido) destaque ao mais recente «tijolo» do economista francês, razão bastante para, antes de iniciarmos um conjunto de textos sobre a correlação entre Capital e Ideologia, valha a pena recordar algumas das ideias-base do título anterior. A principal tem a ver com a diferença, cada vez mais pronunciada, entre o retorno do capital investido em operações bolsistas e o crescimento da economia, que lhe deveria corresponder.  Por outras palavras a riqueza, com que os detentores do Capital se remuneram, nada tem a ver com a efetivamente produzida. O que implica um resultado incontornável: os ricos andam a tornar-se obscenamente mais ricos, enquanto as classes médias veem declinado o seu estatuto e qualidade de vida  aproximando-as das desfavorecidas, também elas cada vez mais pobres.

Embora reconheça a existência de outros fatores, que vêm fundamentando as crescentes desigualdades de rendimentos, Piketty considera aquele desajustamento como o mais relevante, tanto mais que os dados permitem-lhe constatar uma evolução, igualmente, significativa: no início do século XX era a Europa a contemplar maiores desigualdades entre o Capital e o Trabalho, não se verificando tão significativa discrepância no outro lado do Atlântico. Mas, um século depois, a situação infletiu-se com os barões de Wall Street a usufruírem de remunerações e bónus sem paralelo em nenhum outro lugar.

Piketty reconhece que o crescimento das desigualdades tem igualmente a ver com a insuficiente tributação das heranças, fazendo com que a riqueza passe de pais para filhos com estes, nascidos em berços dourados, levarem irredutível avanço sobre os que pertencem à sua geração, mas crescem em condições muito menos favoráveis no acesso à educação, à saúde e, até mais tarde, à agenda de conhecimentos - as networks - que lhes servem de redes de proteção nos anos de formação para agarrarem o testemunho dos progenitores.

Há outra vertente, que tem permitido o aumento das desigualdades e traduzido na absurda aceitação da média e pequena burguesia em fazerem escolhas eleitorais em função de quem lhes promete alívio de impostos, aceitando que os serviços públicos percam qualidade, porque menos contemplados pelos orçamentos do Estado. Quem se esquece da diabolização do papel do Estado na economia, que ainda tem no Iniciativa Liberal, no Chega e no CDS, residual representação parlamentar?

Os donos disto tudo têm sido particularmente bem sucedidos em arregimentarem esses estratos sociais medianos para a sua causa, mesmo traduzindo-se na realidade pela sua fuga de rendimentos para paraísos fiscais enquanto os seus lamentáveis exércitos fazem figura de carne para canhão, pagando em excesso os impostos que, inadvertidamente, poupam aos que os manipulam.

Para virar do avesso esta situação Piketty propõe a receita neokeynesiana da progressividade da tributação em função da riqueza e com coordenada regulação internacional. Algo que, bem explicado aos interessados, deles colheria decerto um apoio maioritário.

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