Agora que o outono avança decididamente para o inverno e as condicionadas férias de verão constituem recuada saudade, parecerá inadequado voltar ao filme de 1953 realizado por Jacques Tati e tendo por protagonista o inconfundível senhor Hulot com o seu chapéu e cachimbo a figurarem como imagens de marca. Mas uma reportagem no local das filmagens fez-me regressar a um dos mais bem amados filmes do realizador, um daqueles que nos faz sempre sorrir, se não mesmo rir sem moderação. Não só pelo que representa, mas pelas circunstâncias da rodagem. Porque, quando Tati ponderou na trintena de alternativas de aldeias de veraneio possíveis para servirem de cenário ao filme, todas elas na costa atlântica francesa, a escolha recaiu na que melhor o sugestionara através de um postal dela ilustrativo.
Saint Marc-sur-mer, situada bem perto dos estaleiros de Saint-Nazaire, donde são lançados anualmente enormes paquetes destinados a sulcarem os diversos oceanos, estava na época em plena reconstrução: praticamente arrasada durante a Segunda Guerra a região fora um dos derradeiros bastiões nazis a renderem-se aos Aliados, porque ali ficava um enormíssimo bunker, que servia de base aos submarinos, dali zarpados para afundarem navios no Atlântico Norte. Nada mais natural do que escolher-se um sítio assim para abordar a própria reconstrução dos franceses ainda ressacados da Ocupação e a usufruírem as mordomias das férias pagas, embora se comportassem nesses dias com a atitude dos do resto do ano, quando iam ou regressavam do emprego, sempre porfiando nas mesmas rotinas e nos valores.
Tati queria reproduzir os estereótipos da classe média, razão para, antes de se decidir pelo título definitivo, ter ponderado no título: As Férias de um Francês Mediano. A alteração beneficiou o filme, dando nome individual a uma caracterização coletiva. E parte do filme foi construída naquele espaço entre a praia e a marginal porque, fino observador, Tati utilizou muito do que ali assistiu para compor boa parte dos gags de que era composto.
Há, igualmente, uma curiosidade adicional, às vezes esquecida: na versão que conhecemos já posterior à estreia do filme nos Estados Unidos em 1977, há aquela cena impagável do «tubarão«, rodada na mesma praia vinte cinco anos depois, para dar uma piscadela de olho ao filme de Spielberg entretanto estreado além-Atlântico e aureolado do sucesso comercial, que se conhece...
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