domingo, novembro 08, 2020

(DL) Visões distópicas do futuro

 

1984 e Admirável Mundo Novo têm em comum a manipulação da linguagem e a falsificação da História num pertinente paralelismo com a sociedade contemporânea e o fenómeno de massas, que chegou a ser o trumpismo.

Os dois romances andam a ser editados e analisados à luz da possibilidade de nele se espelharem os problemas das sociedades em que vivemos. E, no entanto, as visões dos dois escritores são radicalmente diferentes. Aliás as únicas semelhanças nos percursos de ambos foram as de serem britânicos e terem-se cruzado em 1917 no seleto colégio de Eton, um como professor de francês com perfil reconhecidamente dandy (Huxley), o outro (Eric Blair, verdadeiro nome de Orwell) como bolseiro algo perdido nas salas e corredores da instituição.

Publicado em 1932, Admirável Mundo Novo anuncia a alienação inerente a uma civilização hedonista, consumista e eugenista. Por seu lado, o romance que Orwell deu a conhecer em 1949 denuncia a vigilância contínua de um regime totalitário, que tem o Big Brother a tomar conta de todos. Um prenuncia os males de uma ditadura apoiada nas biotecnologias, povoada de indivíduos formatados, o outro denuncia um Estado burocrático e repressivo, onde a liberdade de pensamento e a memória são proibidas.

Lidos na adolescência, tanto adorei o livro de Huxley como detestei o de Orwell. E as décadas, entretanto decorridas, não mudaram a minha perspetiva, tanto mais que se conheceriam posteriormente os investimentos da CIA na publicação e divulgação do romance do segundo, que considerava particularmente apropriado para manipular as opiniões coletivas em tempos de guerra fria. Mesmo reconhecendo-se-lhe algo de verdadeiro e vá ao encontro, através dos torrenciais tweets, do aprendiz de Big Brother, agora desfeiteado da Casa Branca. Porque, a exemplo do personagem de Orwell era capaz de incitar os apoiantes a que não acreditassem naquilo que lessem, vissem ou ouvissem. Quanto à mais benigna versão de Huxley, convenhamos que nunca alcançámos a superabundância inerente à sociedade que imaginou e a sua perspetiva não difere de tantos romances de ficção científica entretanto esquecidos.

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