Agradeço aos filósofos a capacidade para me estimularem pensamentos sobre o que, tendo tanto a ver comigo, quase nunca me apercebo. O conceito de ambiência é deles e para o qual o dicionário dá como definição a atmosfera envolvente num determinado espaço.
Isso projeta-me para uma reminiscência recorrente, que nunca a soube explicar. Se é certo que tantas outras me afloram à memória, e com plena justificação, por nelas ter vivido a alegria ou tristeza, a curiosidade ou a angústia, a festa ou a histeria, porque me assalta o instante em que teria cinco ou seis anos e via-me numa azinhaga a olhar para o fim da rua onde um muro de terra e verdura indicava o limite e as cores eram as do fim da tarde? Mais tarde, ao conhecer o poema de Cesário associei-o, imediatamente a esse soturno anoitecer, que causava tal melancolia, tão absurdo desejo de sofrer. Mas, tanto quanto me recordo desses verdes anos, não havia motivo para neles alimentar tal melancolia, bem pelo contrário.
Bruce Bégout classifica esse tipo de sensações como algo nem psíquico, nem real, situando-se algures entre os objetos e os sujeitos. Relacionado com o espaço, o tempo e o corpo, que nos permite intuir imediatamente o que nos rodeia na forma de uma presença invisível com específica tonalidade afetiva.
No ensaio dedicado a esse conceito o fenomenologista da Universidade de Bordéus-Montaigne situa-o no termo latino ambiens, mas de utilização neutra durante até ao século XIX, quando entrou na vulgata social para definir o efeito afetivo suscitado por uma envolvente feita de crescente urbanização, com as inerentes tensões quotidianas. E passou a dissociar-se entre as fundamentais - as que se vincam duradouramente em nós como aquela que lembro - e as passageiras, apenas cingidas a um momento, quiçá a um dia.
Não foi preciso, porém, que o conceito se consolidasse na comunicação oral e escrita para que a Igreja Católica o pressentisse e cuidasse de mudar a ambiência das suas basílicas, catedrais e outros locais de culto para combater a ameaça suscitada pela Contra-Reforma. O estilo barroco aparece como estratégia hábil para atrair aos rituais religiosos aqueles que se compraziam com o bem-estar causado por toda aquela arquitetura exuberante.
Estratégia semelhante persegue o capitalismo, quando quer impulsionar a compra das mercadorias acrescentando-lhes aura fetichista através do design das montras, da embalagem e de todas as demais ferramentas publicitárias. Mormente as marcas pretendem induzir a ideia de, mais do que o produto em si, os consumidores adquirem experiências, afetos.
E, quando procuramos nos destinos de férias, aquele que melhor nos servirá, não é na mesma lógica de nele encontrarmos essa auspiciosa ambiência?
Em suma nada do que é humano escapa a esse conceito: do ponto de vista afetivo a neutralidade não existe.
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