quarta-feira, novembro 25, 2020

(DIM) Autópsia de um Crime, Otto Preminger, 1959

 


Recebeu seis nomeações para os Óscares de 1960 e não ganhou nenhuma. E, no entanto, se tivesse recebido algumas delas a justificação seria plena. Porque este é um excelente filme sobre o sistema de justiça norte-americano visto por um prisma ácido e cínico. Mas, tratando explicitamente de um caso de violação, que motivara um crime no Michigan e o correspondente julgamento, Autópsia de um Crime chegara a ser censurado alegadamente por causa da relevância atribuída às cuecas da vítima.

Embora as cenas em tribunal demorem uma boa hora a começar o que se segue é encantatório: uma coreografia de interrogatórios transformados em bailados de gestos, de palavras contundentes, exasperação e muita cólera fingida. Porque a verdade acaba por não se revelar, sendo tudo condicionado pela manipulação e pelas sucessivas habilidades da defesa e da acusação do homem acusado de matar o violador da esposa.

É um regalo ver Preminger alternar o recurso á profundidade de campo com os grandes planos dos personagens, apoiado na fotografia irrepreensível de Sam Leavitt.

A acusação ao tenente Manion depressa se converte na acusação pública à mulher violada, descrita pelo procurador como de conduta equívoca, mesmo se nela adivinhemos a dona-de-casa entediada de quando em quando «corrigida» com uns estalos do marido, quando as surtidas para se divertir le atiçam os ciúmes. A denúncia de um sistema misógino em que as culpas sempre incidem nos pecados femininos é mais do que explicito.

Para credibilizar toda a história Preminger contou com um casting encomiástico: James Stewart sempre irónico e persuasivo, Lee Remick com uma sensualidade aparentada à de uma inocente Lolita, Ben Gazzara com a sua rude bestialidade, George C. Scott na dosagem certa de cabotinismo ou esses nunca por demais elogiados secundários, que se chamaram Eve Arden e Arthur O’Connell. Apreciar a interpretação destes dois grandes nomes do cinema norte-americano, que sempre serviram de magistral suporte a tantas cabeças-de-cartaz, constitui um prazer à parte, que vale a pena ser usufruído. E há a curiosidade do juiz ser interpretado por Joseph N. Welch, que era um prestigiado advogado em Boston.

E atardemo-nos, enfim, na banda sonora de Duke Ellington: tendo a interpretação de James Stewart algo a ver com o swing, ela acompanha-lhe a imprevisibilidade, o pendor para a improvisação. 

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