segunda-feira, novembro 02, 2020

(EdH) Achados arqueológicos, que levantam perguntas sem resposta

 


Um dia o meu avô decidiu abrir um poço na quinta do Monte de Caparica onde passei muitos dias da minha meninice. Eu mal aprendera a andar, sendo essa uma das memórias mais antigas, que consigo resgatar da infância: um grande buraco no pátio e homens, entre os quais o meu tio Calisto, a enfiarem-se por ele adentro. Assim deram com um túnel, que se dirigia para a eira onde, anualmente, os ranchos de ratinhos ou de caramelos vinham cuidar da ceifa do trigo e respetivo enfardamento. Nele encontraram ossadas e alguns artefactos, que depressa levaram o meu avô a tomar decisão inflexível: tapar tudo e colocar-lhe em cima uma cisterna, que também ela viria a desparecer alguns anos depois. Alguém terá alertado para a possibilidade de lhe expropriarem a propriedade, hipótese de todo inaceitável para quem a comprara com as sofridas poupanças do pré enquanto andara pela Flandres a cuidar dos cavalos dos oficiais para ali destacados durante a Primeira Guerra Mundial.

Ficava, ainda assim, explicada a origem toponímica do nome da quinta: Castelo Picão. E, de facto, no lado que dava para o vale da Fonte Santa, havia uma muralha indiciadora do passado histórico do local e que, a exemplo de todo o resto da estrutura ali levantada, fora pintada para melhor disfarçar o propósito inicial. Teria sido construção moura? Provavelmente! Seria aquele túnel um caminho de fuga para os que ali viviam em caso de se sujeitarem a um cerco? Também possível!

O que esta experiência pessoal denota é a forte probabilidade de um ou dois metros abaixo dos sítios onde vivemos, ou por onde transitamos, subsistirem vestígios de passados remotos, que nos são completamente impercetíveis. E que tanto nos poderiam elucidar sobre o passado dos espaços em que vivemos. Por exemplo os incêndios dos últimos anos, sobretudo os de 2017, puseram a descoberto inúmeros monumentos da Idade do Bronze cuja existência era completamente desconhecida. Nomeadamente no concelho de Vouzela onde parecem contar-se por centenas. Do seu estudo mais saberemos sobre a época em que populações pré-romanas aqui iam cuidando de sobreviver.

O mesmo sucede em Liubliana, capital europeia de eletivas afinidades, ou não sejam as nossas netas luso-eslovenas, e onde há alguns anos decorrem escavações arqueológicas no centro histórico. Sabia-se que ali ficara Emona, colónia romana do séc. IV para onde fugiram comunidades católicas decididas a escapar às perseguições dos imperadores e, depois, arrasada pela invasão huna. Mas, há cerca de três anos, quando se abriram alicerces para a implantação de um novo edifício, encontrou-se uma necrópole de que tardam em encontra-se respostas definitivas. Nomeadamente, porque uma mulher com cerca de trinta anos foi ali sepultada e, à volta, se distribuíram outras covas e túmulos como se a quisessem acompanhar. Mais: como explicar a peça muito sofisticada em vidro azul, que acompanhava as ossadas?

A História vai-se fazendo à custa de muitos achados e seu estudo em laboratório, embora eles tantas vezes se revelem insuficientes para dar explicação consistente às questões que deles se formulam. 

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