Já tudo se disse sobre David Bowie a pretexto do seu desaparecimento, o que torna supérflua qualquer referência a quem foi, ao que fez e ao que significou para o universo da música popular e das artes em geral. Resta falar do que eu vivi através da obra por ele protagonizada.
Porque sou bastante mais cinéfilo do que apreciador de música - pelo menos da que se enquadra na lógica da pop! - evoco-o em primeiro lugar no filme de Oshima «Feliz Natal, Mr. Lawrence».
Muito embora, antes e depois, o tenha visto noutros filmes foi nesse que melhor o reconheci como ator, e encontrei justificação para os que o definiram como “artista total”.
Mas, mesmo nunca me tendo entusiasmado com nenhum dos êxitos musicais, que o tornaram frequentador das listas dos álbuns mais vendidos, sempre me interessou a faceta de artista conceptual capaz de criar sucessivas personagens e estilos logo convertidos em modas infinitamente replicadas.
Com algum distanciamento, ia-me apercebendo do mistério e da surpresa, que acompanhavam as diversas fases da sua criatividade.
Nesse sentido não me interessa estratificar Bowie no universo restrito da música, porque o referido artista total acabava por personificar, num sentido bem mais lato, as melhores características do que isso mesmo traduz: o potencial para impressionar, sugerir e transformar, de forma a condenar à obsolescência alguns dos mais relevantes fenómenos de massas do último meio século.
Podemos equacionar até que ponto essas mudanças estéticas eram fúteis - é o que me ocorre pensar com as vacas em formol do consagrado Damien Hirst! -, mas há efeitos inesperados nas réplicas sísmicas, que só muito mais tarde se chegam a levar a sério e ganham interpretações à partida inacessíveis a quem as analisa de tão perto.
Bowie configura, pois, para mim, um fenómeno artístico incapaz de me suscitar grandes estados de alma mas ao qual me manterei atento por doravante se submeter ao verdadeiro crivo, que confirmará ou desmentirá a sua importância: o fluxo inexorável da História.
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