Gosto de ler contos, muito embora poucos sejam os que me ficam na memória tão breves são os estímulos por eles suscitados. Na maioria dos casos considero-os uma espécie de exercícios em que os escritores treinam frases e enredos no intervalo entre projetos mais ambiciosos.
No caso de «O Livro de Camaleões» de José Eduardo Agualusa poderá ter-se justificado tal explicação nalgumas das histórias nele inseridas, muito embora nelas caibam igualmente o cumprimento de encomendas para alguns projetos bem específicos como são exemplo os dois mais extensos e interessantes.
Em simetria, o livro inicia-se com «A Primeira Noite» e conclui-se com «A Última Noite». No primeiro encontramos o abúlico narrador numa comemoração da passagem de ano. Ao contrário de todos quantos os que o rodeiam ele sente-se como uma lagosta num aquário, sem ideais nem desejos para o futuro. Até que conhece Dandara, uma desconhecida apostada em, com ele, partilhar passas e desejos.
A sua letargia persiste o tempo suficiente para a ver despedir-se e tomar um táxi em direção indefinida. Descobre estar então na primeira noite da sua ressuscitada existência, por já ter finalmente um desejo: o de a reencontrar!
Em «A Última Noite», Agualusa dá largas à imaginação com a inquietação crescente de uma jovem a quem gente desconhecida avisa, ao vivo ou por telefone, para ter cuidado por ser «uma das últimas»!
Quando a avisam para fugir por já não ser possível beneficiar da proteção até então pressentida, ela vai cair na armadilha de sair de casa sem direção definida acabando empurrada para a linha do metropolitano, quando uma composição estava prestes a chegar à estação.
Outra história inserível no género fantástico é «A sombra da mangueira» em que um Construtor de Castelos entedia-se perante a paisagem imutável. Há um rio inalcançável, e pássaros ruidosos, ainda que escondidos, na densa folhagem da árvore. Só mudam as pessoas, que com ele vêm partilhar alguns momentos, tão só feche momentaneamente os olhos.
A exemplo do Principezinho de Saint-Exupéry vemos desfilar sucessivamente o Menino que vendia Amendoins, o Escritor Cego, a Atriz do Vestido Vermelho, o Marinheiro, a Engenheira de Pontes, vacas, comerciantes chineses ou indianos, cirurgiões e tantos outros desconhecidos, que o fazem imaginar-se num limbo postmortem, uma espécie de Inferno mais agradável do que o convencional.
De todos quantos conheceu na sombra da mangueira é a atriz que perdura na memória e o leva a desejar revê-la. O Marinheiro também o avisara, que o rio só poderia ser atravessado se existisse uma ponte … que a engenheira o ajuda a projetar.
Assim, quando consegue reencontrar a atriz, ambos saem da sombra e avançam, luz adentro, na direção do rio, decididos a tudo recomeçar.
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