“O verdadeiro heroísmo forçosamente emerge no intervalo imenso que medeia entre a coragem e o absurdo” (pág. 66). Essa é a conclusão do narrador do conto «Darjeeling», um dos que Ignacio Padilla integrou no seu livro «Os Antípodas e o Século.
Tudo se passa quando o subcontinente indiano constituía a «Jóia da Coroa» do Império Britânico, que rivalizava com os russos quanto à clarificação da cartografia na região dos Himalaias. E com o obstáculo de ser vedada aos ocidentais a entrada no Tibete sob pena de ali serem sumariamente executados pelos carrascos a mando dos lamas.
Esse narrador fora o braço direito do heroico coronel Bailey, cuja morte seria motivo de faustosas exéquias a mando da Real Sociedade de Geografia. E que, um dia o incumbira de procurar um valoroso cartógrafo, entretanto envelhecido e a exercer o mester de alfaiate numa loja de Darjeeling, para lhe oferecer recompensa ridícula pelos seus feitos em prol da comprovação de uma suspeita estrategicamente relevante: que o rio Tsangpo era um afluente do Bramaputra.
Apesar de enormes dificuldades, que incluíra a escravatura nos altos picos do Nepal, esse Kintup porfiara em realizar a missão, que Bailey lhe dera.
Mas apesar de se ter tratado de um esforço fútil, até porque outra missão científica comprovara entretanto aquela suspeita, Kintup ficara para o narrador como o exemplo de quem preferiria quebrar a torcer.
Algo, porém, acaba por se revelar bem mais surpreendente: Bailey seria afinal um espião ao serviço dos russos, apesar de celebrado como herói pelos seus concidadãos.
Outro conto do livro - «Hagiografia do Apóstata» - é mais curto, mas não menos engenhoso na exploração da surpresa entre o que se julga ir encontrar à medida que a leitura prossegue e o que, de facto, se conclui.
O protagonista é um monge Jean Degard que, assaltado pelas culpas de ter morto um homem, decide internar-se no deserto e encontrar expiação como eremita acoitado numa gruta.
O consolo não chega e, mentalmente, ele começa a convocar o diabo e o seu contrário, alimentando grandes debates dialéticos em torno da existência ou não dos seus fundamentos religiosos.
“O irmão Dégard nunca chegou a conhecer as consequências do combate, uma vez que as duas vias de demonstração o levaram a concluir sem remédio que nem o diabo nem o santo podiam existir ou tinham alguma vez existido. Daí, entre outras coisas, que com frequência o abade Gauthier insista em afirmar que janais alguém viu o demónio naquele ermo onde um eremita mais não alcançaria do que compartilhar a sua solidão com gralhas e grilos.” (pág. 75)
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