Em 1985 foi-me indiferente a atribuição do Prémio Nobel da Literatura a Claude Simon, dado o pouco entusiasmo que o Nouveu Roman me suscitara. Por isso, quando «L’Acacia» foi publicado em 1989 não vi motivo para o ler apesar do entusiasmo da crítica pela tentativa em regressar às origens familiares, através de uma autobiografia apostada em rejeitar o recurso à primeira pessoa do singular.
O livro começa num cemitério militar onde um miúdo de seis anos acompanha três mulheres enlutadas na procura de uma campa. Quem ali está sepultado é o pai desse rapaz que, oriundo de uma família de camponeses do Jura, conseguira estudar com o apoio das irmãs, chegando a oficial superior do exército. Fora nessa condição, que morrera em combate durante a Primeira Grande Guerra.
Duas dessas mulheres eram as tias do rapaz, que tinham ficado solteiras para se
entreajudarem no cultivo da quinta familiar e conseguirem assim pagar os estudos do irmão.
A outra mulher era a viúva, essa filha da aristocracia do Sudoeste francês, que passeara a indolência juvenil por hotéis e propriedades familiares até conhecer o futuro marido, com quem se enlaçara apesar da resistência dos progenitores. Fora durante uma estadia em Madagáscar para onde o militar fora incumbido de uma comissão de serviço, que o miúdo do cemitério nascera.
Dessa cena, passada em 1919, até à última, em 1940, quando já com vinte e sete anos regressara da breve guerra, que resultara na rendição dos exércitos franceses, Simon vai desenvolver um autêntico puzzle, onde se misturam as evocações dos pais, as memórias da sua viagem pela Europa em crise de 1937 e as incipientes tentativas de se afirmar como pintor.
Gradualmente, vai-se tecendo uma espécie de tapeçaria de recordações pessoais, de lendas familiares, de sensações e de paisagens.
Simon confronta a violência da História com a serenidade da natureza num livro sabiamente construído como se ele ainda retivesse algo do pintor sensível ás cores, às formas e às matérias.
A frase, longa, sinuosa, cheia de parêntesis, é um fio condutor, que transmite sensações, odores e luzes.
A propósito deste livro e do que ele significava enquanto corolário de uma obra já laureada, Simon diria: “Há uma evolução na minha obra, que vai abandonando progressivamente o fictício, e me deixa uma estreita margem de manobra. Só tento contar melhor as histórias e recordações, descrever as coisas e imagens. Penso amiúde na resposta de Cézanne quando lhe davam interpretações das suas ‘Baigneuses’. Ele dizia só ter querido transmitir certas atitudes. Como todos os constrangimentos, o de renunciar à ficção é muito fértil”.
A acácia do título é a árvore, que o jovem vê da sua janela, quando, desmobilizado da guerra, decide apostar na aventura literária. O livro consegue ser totalmente autobiográfico sem nunca nele aparecer a palavra “eu”, um quase romance de iniciação cujo protagonista nunca chega a ter um nome, uma quase saga familiar com gente anónima, mas capaz de ser comovente graças à acumulação de detalhes que lhe dizem respeito, como se dela resultassem ecos percetíveis.
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