Tenho cá uma fezada em como, um dia destes, a Academia Sueca, que atribui os Nobéis da Literatura, me voltará a dar alegria semelhante à que me propiciou quando contemplou Saramago, Garcia Marquez, Le Clézio, Günter Grass ou Modiano. E em língua portuguesa, porque aguardo pelo reconhecimento de Mia Couto.
Será uma injustiça para os brasileiros, que viram grandes autores morrerem sem essa mesma satisfação, bastando lembrar Jorge Amado, Graciliano Ramos, Erico Veríssimo ou Clarisse Lispector. Mas dos que hoje ali vão publicando livros não vejo grandes possibilidades de sucesso, mesmo tendo em conta a obra de Nelida Piñon. Por isso, se a língua portuguesa vier a estar novamente na mira dos júris suecos, fará todo o sentido que contemple o autor moçambicano, cuja obra me tem agradado superlativamente de livro para livro.
O imaginário aparentado ao realismo mágico, a riqueza vocabular (a canónica e a recriada) para além de um conjunto de personagens a contas com a procura da sua identidade numa realidade tão sujeita a transformações, que as transcendem, têm sido argumentos para acabar muitos dos anos mais recentes da minha vida com a colocação de um título de Mia Couto como um dos mais interessantes dos que terei lido. Nesses ciclos de doze meses.
Sobre “Mulheres de Cinzas”, que fui hoje comprar à livraria, esperarei o mesmo nível de satisfação, mesmo estando avisado para a assumida mudança em relação ao que lhe temos conhecido: já não é o presente ou o passado recente, que constitui o contexto dos personagens, mas o período vivido em Moçambique entre o final do século XIX e o início do século XX, quando os invasores VaNguni, liderados por Ngungunyane, se apossaram do território mais ao sul da colónia e constituiram desafio de monta para a farsa imperial do reino luso, já então confrontado com a fragilidade ditada pela rendição ao Ultimato inglês sobre a vasta extensão do mapa cor-de-rosa.
Não deixa de ser curiosa a propensão recente dos mais mediáticos escritores africanos de língua portuguesa em recriarem a História dos respetivos países de forma a corrigirem as ideias falsas fomentadas pelas versões dos vencedores. Se José Eduardo Agualusa já dedicara um romance à mítica rainha Njinga, Mia Couto dedica-se agora à personalidade daquele que, incorretamente, os colonialistas chamaram Gungunhana.
Neste primeiro dos três romances, que constituirão o ciclo «As Areias do Imperador», Ngungunyane ainda é apenas uma presença distante para os protagonistas, mas Mia Couto promete abordar o período em que ele esteve exilado no arquipélago açoriano e onde acabaria por falecer. Mas o propósito dos três romances será sempre o de revisitar os últimos anos do Estado de Gaza, antes de vir a ser integrado na colónia moçambicana.
Esperam-me, pois, umas boas horas de gratificante leitura...
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