A escolha de leitura para uma viagem obedece sempre ao respeito pela noção dos constrangimentos a ela associada: mesmo dirigindo-nos para lugares já bem conhecidos, o facto de não integrarem a rotina de todos os dias já justifica uma outra atenção a quem nos for rodeando. Ademais, os recentes atentados em Paris terão incrementado medidas de segurança para as quais a nossa curiosidade tenderá a focalizar-nos.
É por isso que escolhi «La Faille Souterraine», a versão francesa de «Pyramiden», o livro com que Henning Menkell procurou corresponder, em 1999, a uma das perguntas mais frequentes dos seus leitores: já que no primeiro título da série, iniciada com «Assassino sem Rosto» (1991), conhecemos Kurt Wallander quando ele tinha 42 anos e já estava divorciado de Mona, como teriam sido os anos anteriores a esse?
O projeto de Mankell era o de, através das possibilidades conferidas pelo género policial, estabelecer um retrato inquiridor sobre a Suécia após a perda da sua inocência motivada pelo assassinato de Olaf Palme. Durante oito anos ele publicara outros tantos romances, que ofereciam do país nórdico uma caracterização muito diferente daquela a que nos habituáramos, quando o víramos como o exemplo mais idílico da social-democracia.
Em «A Muralha Invisível», de 1998, Wallander já estava tão cansado, que antevia com ansiedade a necessidade de se reformar.
Muito embora viesse mais tarde a retomar a personagem noutro romance - «Um Homem Inquieto», em que o encontramos já dissociado das funções de polícia -, Mankell julgara esgotado o seu projeto, quando reuniu cinco novelas destinadas a dar-nos a conhecer Wallander antes dessa intriga inicial. Em «Punhalada», o primeiro dos textos desta antologia, temos Kurt com apenas 22 anos e recém-chegado às fileiras policiais.
A função que lhe foi atribuída nas forças especiais mobilizáveis para contrariar as então turbulentas manifestações contra a guerra do Vietname, não é a que ele deseja. Por isso mesmo, na tarde ensolarada em que está de folga à espera da namorada de quem se despedira de manhã no cais dos ferries para Copenhaga, a sua maior preocupação é acelerar a transferência para os departamentos encarregados de esclarecerem homicídios.
Essa namorada é Mona com quem, em 1990, já se casara e descasara, e lhe dera a filha Linda, que lhe sucederia na esquadra de Ystad. Mas esta novela dá-nos conta de uma antecessora, Helena, que lhe partira o coração ao trocá-lo por outro e lhe dera o ensejo de iniciar a futura propensão alcoólica.
Nesta novela também surge o pai de Wallander, esse pintor que reproduz sempre o mesmo tema nos quadros e irá morrer muitos anos mais tarde, vitimado pela doença de Alzheimer, algo de que o próprio filho já começa a padecer no último romance da série.
Pelo que aqui deixo testemunhado, deleito-me a ler os romances deste genro de Ingmar Bergman, que faleceu em 5 de outubro passado. E tenho a garantia de gratificante leitura nos próximos dias. Mesmo em plena viagem...
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