Comecei a leitura do mais recente romance de Mia Couto - «Mulheres de Cinza» - com uma grande disponibilidade para me sentir seduzido desde a primeira página e assim está a suceder. A exemplo de outros autores a quem desejei previamente o reconhecimento do Nobel - e assim viria a suceder! -, tenho esperança de ver o escritor moçambicano a receber o prémio muito proximamente. Não só pela qualidade literária de todos os livros, que dele li, mas também pela fértil imaginação de que dá mostras e leva alguns a conotarem-no com algumas das principais características do “realismo mágico” latino-americano.
Neste primeiro livro de uma nova trilogia intitulada «As Areias do Imperador» Mia Couto traz algo de novo à sua obra: a criação de um novo enredo ficcional num passado mais afastado no tempo e sobre o qual teve de proceder a aturada recolha documental.
Logo de início percebemos que encetámos uma viagem até finais do século XIX, quando a Coroa portuguesa deparava com as limitações de uma ocupação colonial incapaz de resistir às investidas do império dos Ngonis, liderado por Ngungunyane. E sabemo-lo, sobretudo, pelos relatórios de um sargento a quem a participação numa insurreição republicana valera a deportação para o território moçambicano.
Recebendo a missão de garantir a ocupação militar onde o Estado de Gaza se tenta implantar, Germano de Melo estreia-se em Moçambique com um ataque dos “cafres” a Lourenço Marques, que depressa o levam a acreditar no que lhe diz uma estalajadeira: “os nossos domínios, que tão pomposamente chamamos de «Terras da Coroa», encontram-se votados ao desgoverno e à imoralidade. Na maior parte desses territórios nunca nos fizemos realmente presentes durante estes séculos. E nas terras onde marcámos presença foi ainda mais grave, pois quase sempre nos fizemos representar por degredados e criminosos. Não existe, entre os nossos oficiais, nenhuma crença de que sejamos capazes de derrotar Gungunhane e o seu Estado de Gaza.” (pág. 41)
Esse sargento é um dos protagonistas na história, que terá igualmente como parceira privilegiada a jovem Imani, cuja fluência no português a tornam especialmente indicada para servir de criada ao militar recém-chegado. Menina quase mulher ela irá por certo ganhar uma progressiva relevância, adivinhando-se-lhe a influência no que vier a suceder com Germano.
Quem ainda não assume o papel principal é esse Ngungunyane, que o fascismo começou por apresentar como um bruto sem valores cristãos num filme destinado a glorificar os “feitos do Império”.
«Chaimite», assim se chamava esse filme de Jorge Brum do Canto, estreou-se em 1953, quando as independências africanas começavam a ganhar forma e o regime preocupava-se em propagandear a legitimidade do seu “Império” contra aqueles que não tardaria a designar como “terroristas”.
Mia Couto promete dar outra versão da mesma História nos romances desta trilogia.
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