Em 2008 Emil Weiss iniciou um conjunto de três documentários sobre a exterminação dos judeus, que se concluiria em 2014 com «Criminal Doctors”, um documentário impressionante onde as vítimas estão omnipresentes apesar de nunca serem mostradas. Um processo já experimentado com sucesso nos dois filmes anteriores, o primeiro dedicado aos Sonderkommandos e o segundo aos primeiros testemunhos dos que os Aliados encontraram ainda vivos nos campos de concentração.
Para Emil Weiss o objetivo era fazer uma história dos desaparecidos, os que morreram e não puderam deixar o testemunho, que outros puderam fazer a propósito das circunstâncias em que haviam sobrevivido.
Para recriar as ausências dos que desapareceram nas câmaras de gás, Weiss recorreu às paredes do campo de Auschwitz e às suas ruínas, montando os fotogramas com tal engenho, que suscitam um impressionante poder evocativo.
Recorda Weiss: “Estava a rodar no bloco 27, quando um homem me veio dizer para sairmos, já que nada ali justificava ser mostrado! Ora havia imenso para revelar: cada parcela de Auschwitz está carregada de passado. A questão está em conseguir mostrar mais do que os olhos conseguem ver à primeira vista!”.
Foi esse o desafio, que Weiss quis agarrar, conseguindo que as imagens atuais do campo de concentração revelem bem mais do que em si significam. Para este terceiro documentário, dedicado às experiências ali levadas a efeito por Mengele e seus colaboradores, era necessário “recriar o ambiente médico e sugerir a forma como ali se praticaram esterilizações coletivas e ensaios com cobaias humanas.”
E, no entanto, resta muito pouco dos edifícios onde esses crimes eram cometidos: apenas uma enfermaria com alguns utensílios, outrora pertencentes a Claus Clauberg e a Horst Schumann, e colocados à disposição da equipa de filmagem pelo conservador daquele imenso espaço.
A alternativa passou por recorrer à captação de imagens de uma mesa de dissecação no hospital universitário de Cracóvia, onde uma equipa médica acabara de praticar uma autópsia. Explica Weiss: “Pouco importava que fosse em inox e não em mármore como se afirma em voz off.” É que o carácter impressionante do respetivo texto justificava tal desvio da verosimilhança.
Igualmente alusivas são as imagens da máquina de raios X, que foram realmente captadas num consultório parisiense e provavelmente de modelo muito distinto das que foram utilizadas pelos médicos nazis.
“Essas imagens são meras evocações”, porque o texto debitado pela voz off cria a sensação de correspondência entre as suas terríveis revelações e as imagens, que remetem para esse passado revisitado. E é isso que define o cinema: a capacidade de colocar o espectador perante a sugestão de realidades muito para além das que lhe são expostas...
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