Tenho idade suficiente para recordar o ritual de ir ao cinema, quando existiam as grandes salas de Lisboa: o Monumental, o São Jorge, o Tivoli, o Conde ou o Éden.
As pipocas ainda não incomodavam a fruição do que se ia ver e toda a experiência de espectador implicava uma certa predisposição, que se coadunava com o bem mais lento ritmo de vida em que nos situávamos.
«A Maldição da Montanha» («The Mountain»), que Edward Dmytryk assinou em 1956, e novamente distribuído nos ecrãs europeus em versão restaurada, é um bom exemplo do que significava ir ao cinema nesse ano em que nasci: um entretenimento bem feito, com atores muito conhecidos - Spencer Tracy, Robert Wagner e Claire Trevor - e uma fotografia em technicolor de tirar o fôlego de tão bela.
Os mais avisados lembrariam que Dmytryk estava a ser reintegrado nos grandes círculos de Hollywood depois de anos a fio sob a mira do tenebroso senador McCarthy, por suspeitas de simpatias comunistas. Ao contrário de outros realizadores, que nunca mais recuperaram o estatuto anterior, ou só o conseguiram por causa do comportamento indigno - nunca é demais lembrar que Elia Kazan, apesar de incensado por uma certa intelectualidade por causa do seu «Esplendor na Relva», foi um crápula delator, responsável pela destruição de tantas vidas entre os seus antigos amigos! - Dmytryk conseguiu voltar a filmar graças aos bons ofícios de amigos como Bogart ou Tracy, a quem os responsáveis pela «caça às bruxas» não se atreveram a incomodar!
Na origem da história deste filme está o caso concreto de um acidente aéreo ocorrido em 1950 no Monte Branco, que inspirou o escritor francês Henri Troyat a escrever um romance. Existe então um antigo guia de montanha a quem uma má experiência anterior, vocacionara para uma atividade de pastor. É o papel que cabe a Spencer Tracy, que está decidido a não regressar às grandes alturas.
E há o seu jovem irmão, a quem a notícia de um avião despenhado na alta montanha com uma fortuna a bordo incita a tentar a aventura.
A intriga é maniqueísta com Tracy a concitar todas as virtudes e Wagner a personificar a cupidez e a falta de escrúpulos. O crescimento da tensão dramática resultará dos problemas de consciência de um e da ganância do outro. Com o desenlace expetável.
Mas que interessa essa previsibilidade do que se vai ver, ou até a verosimilhança discutível de ver Tracy e Wagner como irmãos, quando mais de trinta anos os separava na realidade, quando as belíssimas imagens do Monte Branco continuam a impressionar?
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