A leitura dos vários contos de «Os Antípodas e o Século» do mexicano Ignacio Padilla está-me a dar um enorme prazer dada a imaginação e a fina ironia de que estão a dar provas.
Aqui fica o registo de mais três desses curtos textos, todos eles constituídos por oito-dez páginas.
Em «Ever Wrest: Bitácula de Viagem» encontramos Maurice Wilson, um indivíduo extremamente determinado tal qual comprovamos a partir do primeiro parágrafo: “O senhor Maurice Wilson concebeu a ideia de conquistar o Everest quando agonizava num hospital para tuberculosos nas imediações de Munique. Sabia que os dotes de alpinista eram na circunstância tão copiosos como podem sê-lo os de um varredor, mas estava certo de que a sua ideia de alcançar o místico cume dele exigiria apenas um pouco de paciência e outro tanto de boa sorte.” (pág. 27)
Estava-se nos loucos anos vinte do século passado, quando George Mallory e Andrew Irvine tinham falhado o objetivo a trezentos metros do cume.
A partir daí não há obstáculos, nem contratempos que desviem Wilson do que entendeu alcançar. Mas Padilla vai, aqui e além, colocando pequenos apartes que vão apimentando a estória. Assim, o antigo militar do Exército Britãnico fora desmobilizado por ter roubado um vestido de mulher numa loja na Nova Zelândia. Depois vai sendo notório o excessivo apego à mãe, que vai confirmando a sua equívoca sexualidade. Mas o seu desaparecimento nas encostas da mais alta montanha, quando estava travestido de mulher confirma a insinuação do autor: “Os chineses nada dizem sobre a roupa que encontraram trajada pelo cadáver de Wilson, mas ainda hoje é possível ver-se no museu alpino do Partido Comunista um sensual sapato de salto que o legendário montanhista Chu Ying-hua garante ter descoberto enterrado na neve apenas a alguns passos da bandeira britânica que Sir Edmund Hillary cravou no cimo do Everest dias antes de a princesa Isabel ter sido coroada nos altares de Westminster”. (pág. 33)
Wilson teria, pois, alcançado o cume antes de desaparecer!
Em «Apontamentos de Balística» faz-se um exercício académico entre dois soldados inimigos dotados da infalível Hutchinson Van Neuvel, mas ambos desconhecedores se a arma com que apontam é verdadeira ou uma imitação proveniente da Capadócia. Cria-se, assim, um dilema quanto à possibilidade, ou não, de sucesso se decidirem disparar.
O conto «Rhodesia Express» lembrou-me um episódio de ontem à tarde quando, numa Conferência, uma professora algo mal encarada, dizia que costumava sensibilizar os seus alunos sobre o que se estava a passar com os refugiados, porque dava-lhes aulas precisamente, porque sendo retornada, fora aqui acolhida em 1975. Algo maldosamente confidenciei para quem estava ao lado, prevendo que os alunos bem prefeririam não a ter como professora:
- Lá consegue ela que os alunos sejam contra o apoio aos refugiados!
No caso do texto de Pinilla temos o coronel Richard L. Eyengton, que decide assumir a liderança da Rhodesian Railways como forma de acabar com os atrasos nos horários de chegada dos seus comboios. Prometendo suicidar-se se, num determinado prazo, não o conseguisse. Por isso vai ele próprio para as locomotivas garantir que se alimentam as fornalhas com carvão bastante para a velocidade ser a desejada.
Se, a princípio consegue, logo falha, sem se aperceber que os subordinados, conhecedores da sua aposta, aproveitam o facto dele despir o casaco para melhor ajudar na alimentação da fornalha, e, impercetivelmente, lhe atrasarem o relógio Mas, como é homem de palavra, ele aceita o sacrifício com uma frase definitiva:
“- O meu amigo já o disse com todas as letras. Há outras faltas pelas quais um cavalheiro não merece o perdão de uma cidade.” (pág. 51)
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