Há menos de um ano já aqui escrevi um texto sobre Amy Winehouse a pretexto de um documentário de Andreas Kanonenberg. Nessa altura recordei aquele breve instante em que com ela nos cruzámos numa avenida de Londres:
“Pessoalmente será difícil que venha a esquecer um determinado dia de julho de 2010, quando saía de um restaurante grego de Marylebone Road e a Elza, que se adiantara a chegar à rua, me apertou a mão para chamar a atenção de quem connosco se estava a cruzar tomando a direção da Regent Street, e vinda dos lados de Camden onde morava.
Com o seu penteado característico, e seguida de um dos seus guarda-costas, Amy Winehouse denotava alguma dificuldade em manter um rumo certo para os seus passos e desapareceria do nosso olhar atento, quando virou para os lados de Piccadilly Circus.
Esse deixou de ser o dia em que estivéramos numa das mais elevadas colinas de Londres (Primrose Hill), percorrêramos o Regent Park ou andáramos a passear o olhar pelas muitas obras da Wallace Collection, porque passou a ser aquele em que estivemos cara-a-cara com Amy Winehouse. Mesmo sem adivinharmos que, daí a um ano, ela morreria de forma trágica desmentindo quem não queria acreditar num desenlace à medida de outros grandes nomes da música também desaparecidos aos 27 anos.”
Agora, a pretexto dos quatro anos entretanto decorridos desde a sua morte, estreou-se em Lisboa um outro documentário sobre a cantora, merecendo honras de primeira página nalguns jornais e notícias aprofundadas nas televisões. Mas, desta feita, confesso-me pouco estimulado pela ideia de me deslocar para ver tal filme. Muito embora até seja provável uma maior identificação com a opinião deste realizador, Asif Kapadia, do que com a do que me levara a escrever o texto do ano transato.
É que, ao contrário de Kanonenberg, Kapadia atribui grande responsabilidade pelo sucedido ao pai de Amy, que dela só quis saber quando a soube bem sucedida e capaz de lhe garantir proveitos apetecíveis. Sem que deixe de considerar as próprias culpas do ex-namorado e da própria Amy!
A exemplo de outros «anjos caídos» da história do rock, Amy não aguentou a pressão de se converter num produto de grande consumo, sem que ninguém desse particular atenção às carências afetivas jamais satisfeitas. E a imagem da sua degradação só fez ganhar valor comercial ao produto que encarnara. Sob a capa da falsa compaixão, o público adora vampirizar ídolos com cuja queda secretamente se congratula.
E é precisamente isso que me leva a passar ao lado do filme de Asif Kapadia: é que denunciando essa utilização abusiva de Amy enquanto pessoa, ele não deixa de fazer exatamente isso mesmo...
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