Confesso-me algo piegas e por isso agradam-me tanto as obras do período romântico com os seus amores contrariados, inequivocamente assolapados, sob a fúria dos elementos e com uma sonata de Schubert como banda sonora.
Mas, mais do que piegas, também aprecio, e muito, todo o processo de desconstrução de um discurso canónico. É por isso que engraço com «Nightmare Abbey», a novela que Thomas Love Peacock escreveu em 1818 e reescreveu em 1837. Porque o jovem diletante, que ele era, vivendo às custas do bem sucedido negócio marítimo da família, não podia deixar de olhar com ironia os amores exacerbados do seu amigo Shelley, dividido nas suas paixões por Harriet e por Mary, dando-lhe assim matéria mais do que suficiente para troçar do movimento artístico então dominante.
Peacock goza com o interesse dos seus contemporâneos pelos temas mórbidos e pelas crenças na transcendência, criando um livro que, recentemente, o «Guardian» escolheu para a sua lista de cem clássicos imperdíveis.
À partida temos uma mansão arruinada entre os pântanos do Lincolnshire e o mar, onde o anfitrião, Christopher Glowry, é um viúvo rabugento e melancólico, que partilha o espaço familiar com o único filho, Scythrop, que não tardará a desvendar-se como o protagonista da história.
Mas a ele já lá vamos, pois vale a pena quedarmo-nos um instante com o progenitor, cuja singularidade comportamental o leva a só contratar criados com nomes negativamente sugestivos: Raven, Graves, Deathshead…
Vão igualmente sucedendo-se hóspedes, que passam o tempo a comer, a jogar bilhar ou a discutir literatura e filosofia. Há um ictiologista, que afiança a existência de sereias e tritões. Um lacrimejante Flosky, que é o retrato chapado do poeta Coleridge ou Cypress, criado à imagem e semelhança de outro poeta da época, Lord Byron.
Existem igualmente as convidadas: a fútil Marionetta, imaginada à luz de quem era Harriet Westbrook, a jovem por quem Shelley começara por se enamorar. E a intelectual Stella Toobad, que Peacock concebeu como gémea da Mary, que viria a escrever «Frankenstein».
É entre uma e outra, que balança o coração de Scythrop, criada por Peacock de acordo com o que conhecia de Shelley. Mas ele anda tão preocupado com a transformação do mundo, regenerando a espécie humana, que se esquece da importância de flirtar com as belas de serviço e, quando dá por isso, já elas casaram com outros bem menos distraídos. Será inevitável acabar com o coração destroçado…
Temos, assim, uma plêiade de personagens extravagantes, senão mesmo ridículas, que coloram toda a história, apesar de Peacock nunca ter resolvido a tendência para estruturar as suas histórias de forma assaz heterogénea...
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