terça-feira, janeiro 31, 2023

O “Perfeito” Americano segundo Philip Glass

 

Madrugada fora acompanha-me  The Perfect American de Philip Glass, que Phelim McDermott encenou para o Teatro Real de Madrid com o barítono Christopher Purves a protagonizar a versão biográfica de Walt Disney tal qual a revelou Peter Stephan Jungk no romance O Rei da América e tanto incómodo suscitou além-Atlântico por lhe denunciar a personalidade racista e sedenta de poder.

Numa obra em que aparecem Lincoln ou Andy Wharol a cruzarem-se com o criador do Mickey e do Pato Donald, opta-se por ilustrar os seus meses derradeiros, quando o cancro no pulmão se agravava e ele se via assombrado por fantasmas do passado, mormente por uma coruja, que matara quando criança. Época, que poderá explicar em parte - mas não no todo porque a sua índole era, de facto, do piorio! - as atitudes futuras: a de antissemita simpatizante do nazismo, que reagia à marcha para Washington em prol dos Direitos Cívicos com a indigna frase: "Onde leva toda essa liberdade, negros caminhando para Washington, os desajustados que fornicam como coelhos?"

Se Glass assume ter pretendido compor uma viagem poética e trágica sobre quem se aprestava a enfrentar o assustador encontro com a morte, que pretendia adiar mediante a sujeição do corpo moribundo a cuidados criogénicos, a ela ainda lhe acrescenta a misoginia, que o levou a sempre contratar homens para lhe desenharem a bonecada, porque às mulheres não reservava tarefas mais exigentes do que colorirem uns quantos rascunhos.

Compreendo que as críticas norte-americanas não tenham sido particularmente favoráveis a esta criação de Glass, mas quase por certo condicionou-as o incómodo com tão verdadeira versão de um intocável mito norte-americano.

Pessoalmente, e como sucede com quase tudo quanto o compositor criou, estou a adorar! 



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