Do que conheço do realizador - mormente as anteriores biografias de Florbela Espanca (2012) e Al Berto (2017) - ficou uma expetativa mediana no sentido de nem esperar obra esplendida, capaz de me render à evidência de coisa de excelência, nem tão pouco sair desagradado da sala, porque o talento e o seu saber (ademais ancorado na competência de Rui Poças como diretor de fotografia) bastariam para me saber a bem mais do que a pouco.
Em vez de uma biografia cronologicamente organizada, Vicente Alves do Ó escolheu três momentos: o retiro de 1916 em Manhufe durante a Guerra na Europa, a boémia de Montmartre em 1911 e a ameaça real da pandemia em 1918. Muito embora as escassas críticas torçam, sobretudo, o nariz a este final, foi ele a causar-me maior impacto pela constância do dobrar lúgubre dos sinos por conta dos que andam por essa altura a morrer. Ora, não deixa de, colateralmente, ser neste filme que nos despedimos cinematograficamente de Rogério Samora e de Eunice Muñoz, que já não puderam comparecer à sua estreia.
Assumidamente apostado em conferir uma ambiência em torno do pintor nesses três momentos-chave da sua vida, dele fica a ideia de quem se andava ainda a procurar no eixo de múltiplas inspirações e contradições. Num tempo de ruturas vanguardistas, que o eram, igualmente políticas, Amadeo era um homem conservador, filho de proprietários rurais, que adorava a caça ou as touradas. E, no entanto, a tentação abstracionista puxava-o para o lado oposto dos cânones académicos.
Ficando para a História da Arte como lenda - assim o asseverava José Augusto França - em vez de firme realidade, o seu futuro seria imprevisível se o tivesse tido. Talvez até nem fosse descabido que, como conjetura Vicente Alves do Ó, ele tivesse acabado por se dedicar ao cinema.
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