Na biblioteca, que transferi para a cave, estão os doze romances de Henning Mankell com Kurt Wallander como protagonista. Tendo-os lido a todos, talvez ainda aproveite a oportunidade de os revisitar já que ando a preferir o regresso a quanto significou pretérita felicidade em detrimento da imprevisível descoberta das novidades. E isso é verdade com as leituras ou os filmes disponíveis: dificilmente voltarei a sentir o fascínio de descobrir Cem Anos de Solidão no final da adolescência ou, por essa mesma altura, sair esmagado das quatro horas de Ivan o Terrível. Mesmo que os recentes romances de Isabela Figueiredo ou de Lídia Jorge, a par de alguns filmes asiáticos me deem centelhas desse remoto fulgor.
No que diz respeito aos títulos do escritor sueco, desaparecido em 2015, ficou o desajuste entre a minha perspetiva de um país por onde andei nos anos finais do milénio passado e a neles descrita, ainda mais melancólica e sombria.
Não é que o seu lado violento me fosse desconhecido - razão porque evitava sair para as ruas aos fins-de-semana, quando hordas descontroladas se embriagavam - mas não lhes pressentia a dimensão assassina, que tornavam o circunspecto inspetor da polícia crescentemente desiludido com os segredos acoitados nas casas isoladas de uma região, a Scania, onde ia descobrindo a faceta perversa de uma sociedade diversa da do aparente bem estar social-democrata, que o assassinato de Olof Palme desmascarou.
Se possuíamos a versão bergmaniana dos recalcamentos interiores, que associava os seus habitantes a múltiplas expressões de infelicidade, a de Mankell confirma a de uma Suécia que Stieg Larsson também estigmatizou numa versão politicamente ainda mais comprometida.
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