Não há muito tempo peguei num dos menos conhecidos romances de Jules Verne - O Conde de Chanteleine - e depressa o abandonei por insuportavelmente reacionário. A misoginia do costume surgia desde as primeiras páginas mas, pior ainda, incomodou-me a imagem heroica dos aristocratas, que tentavam sobreviver clandestinamente na França revolucionária do chamado período do “Terror”, perante seguidores de Robespierre apresentados como gente sinistra, neles convergindo o pior do que a índole humana possa albergar.
Sabido que é como a História aceita a versão nela pretendida pelos vencedores, não é difícil imaginar o que gerações de antijacobinos terão querido assacar aos protagonistas dessa época com o propósito de valorizar a ideologia mais conservadora. Aquilo que também Jules Verne se comprazia a fazer nesse indigesto romance.
Curiosa, entretanto, a abordagem de um dos mais conhecidos programas do canal franco-alemão ARTE a outro título pouco divulgado do autor: A Casa a Vapor, incluído no lote de romances por ele planeados para as suas Viagens Extraordinárias. E embora o não tenha lido desconfio da suposta simpatia do autor pelos militantes anticolonialistas na Índia do século XIX, diretamente oriundos da fracassada revolta dos Cipaios. Particularmente por Nana Sahib, que os indianos olham como uma espécie de D. Sebastião por ter desaparecido sem deixar rasto depois de uma vida de lutas contra os britânicos e a quem Verne dá morte no epílogo da derradeira batalha contra o protagonista, o coronel Munro, que lhe matara a companheira e se vira enviuvado durante o cerco de Lucknow em 1857.
Luta até à morte entre dois homens, ela resolve-se no reencontro, muitos anos depois, quando o inglês aceita passear no subcontinente asiático entre Calcutá e Gaya a bordo de um elefante a vapor, que um amigo inventara com propósitos turísticos.
Até me posso enganar, mas custa-me a crer que o racista Verne se tenha eximido de enfatizar o heroísmo de Munro e de conotar Sahib com os piores defeitos. Mas isso sou eu a assumir o preconceito que, quem li com agrado na juventude, depois me suscitou.
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