Uma Agulha no Palheiro é daqueles romances, que me desatinam: porquê a importância conferida à história de um miúdo de dezassete anos, que teme a reação dos pais à notícia de ter sido expulso de um prestigiado colégio interno e passa três dias a vagabundear pelas ruas de Nova Iorque, fumando e bebendo desalmadamente e procurando enfiar-se na cama de umas quantas prostitutas? Supostamente trata-se do olhar irreverente de um adolescente oriundo de uma das famílias burguesas do Upper East Side quanto a um mundo adulto, que considera corrupto e hipócrita, mas incapaz de para ele adotar uma alternativa salvífica.
Publicado em 1951 - passam agora setenta anos! - o romance de J.D. Salinger chocou a América puritana, que o censurou, ou mesmo proibiu, por entrar em choque com os códigos de valores então dominantes. O olhar de Holden é o da superioridade autossuficiente de quem julga tudo saber e talvez isso explique o sucesso do romance, porque gerações sucessivas de jovens, a contas com o conflito de gerações, ter-se-ão sentido identificados nesse personagem insatisfeito com o mundo à sua volta, mas incapaz de formular outra alternativa, que não seja a da satisfação imediata dos seus desejos, mesmo nada alterando de substantivo nesse contexto.
Concluído o parêntesis de três dias de alguma liberdade individual, Holden vê-se na contingência de regressar à execrada morada familiar conformando-se com o regresso ao colégio em setembro, até confessando saudade por alguns dos colegas que, antes, lhe haviam merecido censura.
Há quem leia o romance à luz do stress pós-traumático vivido por Salinger quando, anos antes, integrara as tropas norte-americanas no desembarque do dia D e na batalha das Ardenas, culminando depois na descoberta dos horrores testemunhados durante a libertação do campo de Dachau. Mas há tão escassas referências à Guerra em todo o romance, que dá para questionar até que ponto os seus cultores, responsáveis por tal leitura, não forçam a nota biográfica do autor para justificar um tão singular sucesso comercial.
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