Daqui a dois meses Françoise Gillot celebrará cem anos de idade, mantendo-se no exílio nova-iorquino a que se remeteu desde 1960, quando a vida em França se lhe tornou particularmente complicada pela ostracização a que se viu sujeita pelos amigos de Picasso. A mulher que lhe dissera não pagou elevado tributo pela sua independência de espírito e nunca se viu reconhecido o talento nela descortinado antes de se entregar a uma relação amorosa marcada pelas tensões permanentes. Época em que se dissociou dos artistas da sua geração, que se pretendiam abstracionistas de uma forma, que ia para além do que até então ela se revestira - então liderados por Nicolas de Stäel - e voltou ao figurativismo por inspiração do novo amante.
Baseado no livro Pablo Picasso & Françoise Gilot – La Méditerranée réenchantée de Anne Maillis, o documentário de Sylvie Blum tem uma vantagem evidente sobre o de muitos outros conhecidos nas décadas mais recentes, a maior parte decididos a menorizar o génio do artista denunciando-lhe o carácter misógino, capaz de tornar infelizes todas com quem privou intimamente. Não é impunemente que se é genial e se assumem posições políticas progressistas: as direitas intelectuais não esperaram pela sua morte para o defenestrarem sob as piores acusações. Ora, Blum e Maillis não enjeitam demonstrar - até com a ajuda da própria Françoise Gillot - que não houve presa nem predador no que a ambos respeitou. Porque ela estava perfeitamente consciente do que a esperava ao aceitar a vida em comum com um homem com o triplo da sua idade e sabia necessária uma postura de mano-a-mano como os toureiros com os touros nos espetáculos por ele tão apreciados.
Tendo a vantagem de nos dar a ver a obra de Gillot e esclarecer quanto ao significado de muitas das obras de ambos em que se representavam mutuamente, também aqui se enfatiza um dos períodos mais criativos do artista malaguenho, aquele em que ele explorou o barro como alternativa jubilatória de uma criatividade sem limites.
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