segunda-feira, setembro 13, 2021

Pas Dormir, Marie Darrieussecq

 

Só recentemente - e por causa dos problemas de saúde com a Elza! - senti verdadeiramente o inferno das noites brancas, as horas das madrugadas adentro sem dormir, povoadas de negros presságios e mil outras preocupações. Até então sempre dormi bem, mesmo habituando-me a reduzir-lhes tanto quanto possível a duração do descanso. Porque havia a regra desde cedo ouvida de que “quem muito dorme pouco aprende” e sempre tive inesgotável curiosidade por mais saber.

Alturas houve em que vivi a versão pessoal da tortura de sono tal qual no-la narraram os presos pela Pide. Quantas vezes me lembrei deles nas situações profissionais em que tive de me manter acordado horas a fio - quarenta e até mais! - pressionado por uma avaria na máquina principal ou, tão só, porque violentos temporais não permitiam pregar olho numa cama onde, ora era atirado para um lado, ora para o outro, pelo intenso balançar do navio. Terá sido nessas ocasiões que melhor senti esse divagar numa terra de ninguém, nem a dos sonhos profundos, nem a da vigília, em que consciente e inconsciente se encontram num meio caminho assombrado pelos estímulos de um ou de outro.

No seu mais recente título Marie Darrieussecq recorre à sua condição de insone em noites sem fim, de nada lhe servindo a ajuda de soníferos ou de bebidas alcoólicas. «Pas Dormir» coloca-se sob a égide de três outros escritores dados a essa característica - Kafka, Cioran e Proust - e reconfigura as duas dúzias de crónicas escritas sobre o assunto para o «L’Obs» durante dois anos. Ela dá mostras de grande erudição - até por lá passa Fernando Pessoa - quase fazendo uma súmula do que disseram e confessaram inúmeras figuras mediáticas sobre a sua falta de sono ou o quanto ele os satisfez. De Churchill a uns quantos jogadores de futebol o universo de citações ou alusões é vasto com predominância óbvia para escritores de todas as culturas e latitudes.

Não é obra que aspire a ganhar grandes prémios literários, mas lê-se com agrado e num ápice. Pelo menos ainda agora nele peguei e já, sem disso me dar conta, deixei para trás as primeiras dezenas de páginas. 

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