Há muitos anos, que não revisitava «À Espera de Godot», a peça escrita por Samuel Beckett em 1952 e estreada em palco no ano seguinte com a encenação de Roger Blin.
Muito embora tivesse bem presente a história e os seus personagens - sobretudo esses dois vagabundos, Vladimir e Estragon, que passam toda a peça à espera desse tal Godot, - ela permite sempre leituras diferentes segundo o tipo de conjuntura em que a vemos.
Foram muitos os que, no passado, arriscaram uma explicação para esse Godot por quem viria a salvação para os entediados protagonistas. Houve quem dissesse ser Deus, mas Luís Vicente, o encenador desta versão produzida pela Companhia de Teatro do Algarve (Acta) - e apresentada na Sala Principal do Teatro Municipal Joaquim Benite em Almada - conota-o com o dinheiro e vê-o à luz da crise financeira traduzida na falência do Lehman Brotheres e tudo quanto se lhe seguiu.
A sua visão da peça é bastante pessimista, porque descrê da hipótese de uma qualquer alternativa à queda abrupta, e sem rede, de um sistema capitalista cada vez mais violento com quem se lhe oponha, em contraponto à perceção de estar à deriva na direção de um incontornável precipício.
A representação excelente de Pedro Laginha, Luís Vicente e, sobretudo, de Pedro Lima - que nos surpreende em alguns momentos com uma mímica clownesca! - conjuga-se com a coreografia minimalista como quase sempre se torna obrigatória para esta demonstração do Teatro do Absurdo.
De acordo com o que estamos a viver, fui vendo a peça a ajustá-la a uma outra possibilidade interpretativa: a de Godot ser o direito de qualquer pessoa à felicidade, normalmente traduzível numa ânsia revolucionária.
Nesse sentido, embora completamente diferente da proposta beckettiana, recordei «Quarentena», o maravilhoso espetáculo com que O Bando celebrou o seu 40º aniversário no ano passado e que constitui, até ver, a melhor proposta teatral, que vi nas minhas quase seis décadas de vida. No seu quadro final, quando se juntavam as dezenas de atores e músicos, questionava-se se a Revolução seria para hoje ou para amanhã. E, desiludidos com a possibilidade de ela ser para já transferíamos todas as nossas expetativas para o amanhã.
Em «À Espera de Godot» passa-se algo de semelhante: bem podem Vladimir e Estragon esperá-lo, dia após dia, que fica sempre a promessa dele aparecer no dia seguinte.
Por isso, ver a peça nesta semana subsequente às eleições legislativas em que, mais uma vez, não vimos a esquerda ter a vitória indiscutível correspondente a tudo quanto passámos nos últimos quatro anos, põe-nos, de certa forma, na mesma posição dos dois protagonistas: se não foi hoje, será que esse almejado Godot aparecerá amanhã?
Aumentaremos, decerto, a possibilidade disso acontecer se, em vez de ficarmos à espera, investirmos militantemente nessa urgente mudança. Mais do que ficarmos à espera de Godot, temos de ir, nós mesmos, à sua procura.
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