Nos tempos em que o marcelo - o outro! - julgava endrominar os portugueses com as conversas “em família”, eu pertencia à geração dos que, à saída da adolescência, liam Cesare Pavese com fervor.
Além da qualidade da escrita as histórias por ele contadas vinham ao encontro das nossas preocupações juvenis num país ainda condicionado pela ditadura e com o espectro da guerra a assombrar-nos.
Aquilo que já então nos desconcertava era o suicídio do autor em 1950, cinco anos depois da libertação de Itália e quando o seu quotidiano deveria ser menos soturno do que ocorrera durante a guerra.
Sessenta e cinco anos passados sobre esse trágico desenlace ainda continua por perceber o que levara o intelectual, que fora sucessivamente fascista, antifascista, deportado político e comunista, a desistir da vida. E, no entanto, da leitura dos seus livros podemos recolher algumas pistas pertinentes.
Debrucemo-nos sobre «La belle estate», que publicou em 1949 e inclui, além da novela que serve de título ao volume, escrita em 1940, outras duas: «Il diavolo sulle colline» (1948) e «Tra donne sole» (1949). Todas elas apresentam similitudes nas temáticas sem porém constituírem uma verdadeira trilogia.
«O Belo Verão» faz-nos conhecer o quotidiano de Ginia, uma jovem modista de dezasseis anos, muito dada à alegria das festas, e ao prazer de servir de modelo a alguns pintores. Um deles, Guido, inicia-a nos prazeres carnais, mas logo a despreza cinicamente, obcecado pela ideia de pintar uma colina como se fosse uma mulher nua.
Pavese procurou criar uma prosa poética, que enquadrasse o paralelismo entre a transição da protagonista da adolescência para a idade adulta e as variações impressionistas dos enquadramentos, ora luminosos, ora marcados por brumas melancólicas.
Na novela seguinte, «O Diabo nas colinas», Pavese escreve: “nada cheira tão a morte como o sol de verão com a sua luz brilhante e a natureza exuberante. Respiramos o perfume de um bosque e logo compreendemos como os animais e as plantas nos desprezam. Tudo vive e desaparece. A natureza é a morte…”
Iludindo o tédio mediante turbulentas noitadas três amigos de Turim vão dar a uma quinta no campo, antes de regressarem ao ambiente do Greppo, onde os aguarda a fascinante Poli, uma morfinómana muito rica que sublima a queda no abismo com o abandono de si mesma. O que leva Pavese a concluir: “poucos conhecem os confins da sua sensualidade”.
Na última novela, «Entre Mulheres», que Antonioni filmou, a narradora é Clelia, que regressa a Turim na época do carnaval. Em tempos vivera a ilusão de uma subida no elevador social. Mas, agora, cabe-lhe evitar o suicídio da amiga Rosetta, recordar o que ali vivera na infância e aguardar pela morte do pai. A subversão generalizada provém do dinheiro, que constitui o derradeiro veículo de comunicação entre seres mergulhados na sua solidão.
Ao concluirmos a leitura do livro sentimos a tensão entre a revolta e o fascínio pelo fracasso. O casal é uma impossibilidade numa sociedade onde se valoriza o factual e o sentido das aparências...
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