segunda-feira, outubro 19, 2015

DIÁRIOS DE LEITURA: Umberto Eco fala sobre o livro Número Zero

Uma das maiores fragilidades da esquerda europeia tem a ver com o grande patronato ser o dono dos jornais, rádios e televisões. A “informação” com que a opinião pública é permanentemente matraqueada é a que mais convém a essa classe endinheirada, que tudo fará para manipular e mentir de forma a convencer os consumidores de informação do que deverão “pensar”...



Num ano que não tem sido fértil em grandes obras literárias, o mais recente romance de Umberto Eco tem o condão de vir ao encontro de muitas das nossas preocupações atuais. Porque vem abordar o papel crapuloso de um tipo de imprensa, que recorre às mais indignas estratégias para, mais do que assegurar um volume de vendas apreciável, criar no imaginário coletivo alguns atavismos particularmente difíceis de serem postos em causa.
Por exemplo: que papel teve no incrível resultado eleitoral da direita a campanha contínua do «correio da manhã» contra José Sócrates e o Partido Socialista? Quantos votos foram resgatados pela direita a propósito das supostas inabilidades de António Costa durante a campanha eleitoral?
«Número Zero» de Umberto Eco tem por tema os pasquins do tipo do da Cofina, que vivem do escândalo, das mentiras e outras formas de desinformação. E, sobretudo, graças às conspirações, que promovem.
“A intriga é  intrínseca à vida humana”, segundo cré Eco. “Procuramos sempre um culpado, alguém a quem imputar as culpas, que nunca são nossas. Achamos sempre que elas se devem a alguém!». E é essa patologia das massas, que esse tipo de jornalismo estimula. Por isso, em Itália há quem proponha o romance como manual obrigatório nas escolas de jornalismo por abordar exatamente aquilo que não se deve fazer na profissão para lhe garantir a exigível conformidade com a ética deontológica .
Nas últimas décadas Umberto Eco assinou inúmeras crónicas na imprensa, com temas tão variados, que poderiam ir de Emmanuel Kant até à série policial do momento, mas olhando igualmente para o trabalho dos jornalistas. Agora estava na altura de se consagrar ficcionalmente ao que José Sócrates designou um dia como “jornalismo de sarjeta”.
Neste novo romance ele volta a explorar a dicotomia entre o ser e o parecer, através de uma reflexão capaz de desconcertar, questionar e abanar umas quantas verdades feitas. Os que o leem são convidados a utilizar a inteligência para resistirem corajosamente às sugestões perniciosas desses meios de manipulação de massas. Porque o combate permanente às mentiras de quem é proprietário dos jornais e televisão deverá ser uma das prioridades de um poder verdadeiramente democrático...

Sem comentários: