Tive desde muito cedo a perceção do que se estava a passar em África: a Guerra Colonial surgiu quando tinha quatro anos, mas as notícias de mortes e esquartejamentos de brancos em Angola foi tema de conversas a que não podia ficar alheio.
Um par de anos depois, já na escola primária, um professor indignava-se com a forma como a Índia ocupara Goa, Damão e Diu e procurava associar-nos ao ódio aos terroristas e aos comunistas.
Curiosamente nunca me senti contagiado por essas emoções primárias. Pelo contrário o que comecei a interiorizar foi a forte possibilidade de vir a ser alistado no exército, calhando-me igualmente a sina de matar e morrer, duas ameaças a evitar tanto mais que ouvira do meu avô materno as provações da sua campanha na Flandres.
Foi das suas palavras que intuí a razão para as sucessivas derrotas sofridas pelos exércitos lusos e nada condizentes com as palavras enfáticas do regime para dourar os brasões do Império: em La Lys tudo resultara da incompetência dos políticos e generais, que tinham mandado jovens incultos para a carnificina das trincheiras.
Nunca mais me abandonou essa versão da História: ao contrário da mitologia em torno da grandeza dos heróis da Pátria, criada em torno dos Descobrimentos, nunca aceitámos que, após essa época relativamente dourada, continuámos a ser um povo sem as competências e as capacidades para os projetos megalómanos em que nos quiseram envolver. Como a de querer preservar intocado um Império Colonial, quando todos eles se iam dissolvendo em sucedâneos de neocolonialismo mais ou menos bem sucedidos. Ou, atualmente, pagar a dívida, que sabemos impossível de o fazer nos termos em que ela está formatada.
Os séculos mais recentes têm sido pródigos os exemplos de nos vermos metidos em camisas de onze varas sem que os nossos políticos se mostrem à altura dos desafios. Como se viu com passos coelho nestes últimos quatro anos!
O livro, que Manuel Carvalho agora apresenta - «A Guerra que Portugal quis Esquecer» - é elucidativa de em exemplo, que vale a pena recordar: durante a I Grande Guerra os exércitos enviados para Moçambique, a fim de confrontarem os invasores alemães, sofreram pesada derrota, não tanto pela capacidade dos inimigos, mas pela impreparação dos oficiais e dos soldados para as agruras climáticas e as doenças correspondentes. No final morreram bem mais portugueses naquela colónia do que na Flandres. Algo que o Estado Novo sempre quis esquecer...
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