sexta-feira, outubro 09, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: E isto é tango!

Um dos grandes objetivos, com que me comprometi ao chegar à reforma, foi ler tudo quanto deixara de lado como não prioritário nos quase quarenta anos de vida profissional. Os desafios de maior fôlego, mormente os oito volumes do Proust ou o Ulisses do Joyce, foram programados para quando chegar à condição de sexagenário, mas avancei no imediato para autores de que muito ouvira falar, mas de quem nada lera até agora.
Manuel Puig foi um desses casos. Ele estivera em foco, quando o filme «O Beijo da Mulher Aranha» esteve em evidência, mas aqui e acolá fui colhendo referências sobre este argentino nascido em General Villegas em 1932 e desaparecido 58 anos depois na Cidade do México, quando uma operação à vesícula biliar deu para o torto.
«Boquitas Pintadas», o romance que dele agora li, é passado, precisamente em General Villegas e remete para os estereótipos da cultura ligada ao tango. Ou seja, com marialvas sempre prontos para conquistas donjuanescas e mulheres a competirem por eles, sem ponta de escrúpulo.
Quando o escreveu, em 1970, Puig quis obedecer à técnica dos folhetins radiofónicos, complementando-a com uma pitada de humor.  Para trás deixara a ambição de tornar-se argumentista no cinema norte-americano, porquanto «A Traição de Rita Hayworth», que criara em 1962, nunca chegou à tela como almejara, levando-o a reciclar-se definitivamente na condição de escritor. E, no entanto, entre 1955 e 1961, estivera em Roma a estudar com o grande Cesare Zavattini, conhecendo De Sica, René Clément ou Stanley Donen.
O sucesso fílmico de «O Beijo da Mulher Aranha», já chegou demasiado tarde para que ele ousasse infletir a orientação criativa decidida na década anterior.
«Boquitas Pintadas» inicia-se com a correspondência epistolar entre Nelida Massa - que vive em Buenos Aires com o marido e os filhos ainda pequenos -, e D. Leonor, a mãe daquele que sempre amou, Juan Carlos Etchepare, morto aos 29 anos em prolongado sofrimento causado pela tuberculose.
Trata-se de uma cumplicidade clandestina, já que Celina, a irmã do falecido, odeia-a por a culpar da doença do irmão, que passava noites ao frio a esperá-la para os encontros amorosos. Algo que Nelida refuta, porquanto Juan Carlos ia namorando, em simultâneo, outras rivais, desde a viúva Di Carlo à detestada Mabel.
Pelo meio vamos acompanhando outros amores clandestinos, e que acabam em tragédia, como é o caso do de Pancho, amigo de Juan Carlos, que engravida a ingénua Antónia e por ela é assassinado anos depois, quando, uma noite, ela o vê a saltar da janela do quarto da  filha dos patrões. Que não é mais do que a referida Mabel.
Mas as surpresas estarão longe de se ficarem por aí, porque descobrimos que a correspondência entre Nelida e a mãe de Juan Carlos era falsa, pois tratava-se de Celina, quem se fazia passar pela própria mãe. O objetivo era obter confissões escritas da detestada Nelida, capazes de a comprometerem junto do esposo.
Muitos anos depois, constatamos que a crise no casal Massa terá durado pouco tempo e tudo acabara num final relativamente feliz. Algo que, igualmente, terá acontecido com Antónia, realizada na sua segunda ligação amorosa.
No final do livro as mulheres não conseguiram alcançar os patamares de felicidade, que teriam desejado, mas acomodam-se à possível. Quanto aos homens, o seu egoísmo terá acabado em mortes prematuras. E isto é tango!!!

Nota final - deixo aqui como proposta complementar o filme que Leopoldo Torre Nilsson rodou em 1974 com base no romance de Manuel Puig.



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