Datado de 1957, «Mythologies» é um livro admirável sobre a forma de extrair a eternidade do transitório. Com uma questão pertinente: qual é o sabor do sabor?
Para Barthes o mito é uma ferramenta idológica, concretizando as crenças do sistema no discurso. Por isso o mito é um signo, cujo significado pode ser qualquer um: “Cada objeto pode passar de uma existência fechada, muda, para um estado oral, aberto à apropriação da sociedade.”
É que, ao colocarmo-nos perante um bife mal passado, não temos a consciência imediata de estarmos perante um artefacto simbólico sobre o qual se criou a ideia de se tratar de algo de apetecível.
No livro, Roland Barthes agarra em objetos do quotidiano - do bife à stripper - e aborda-os como exemplos da camuflagem da carne em ambos os casos exposta. Assim, perante a mulher que se desnuda sugestivamente à nossa frente, reagimos em função do que sentimos ou do que, socialmente, fomos motivados para tal?
A imagem que criamos desses objetos é a imposta pelo poder, que nos dissocia da realidade porquanto não os vemos senão através da cobertura da iconoplastia.
Vivemos, assim, num universo, que não questionamos na sua essência: somos alienados pelo social com a ideologia a ser-nos imposta pelas coisas cuja verdadeira substância ignoramos.
Barthes teoriza o neutro, que permite afastar-nos da mitologia pequeno-burguesa, remetendo-nos para o questionamento dos artifícios onde os objetos se escondem.
Ele dá o exemplo da pluralidade de sentidos das coisas: quando alguém põe uns óculos escuros para esconder as lágrimas que verteu, é esse o seu verdadeiro fito, ou mostrar aos outros que se colocou os óculos com esse mesmo fim?
Em sua opinião os objetos existem independentemente da utilidade que lhes damos. Por exemplo, quando se interessou pelos haiku japoneses, não quis aprender a língua em que eles se construíam. E ao ouvi-los na versão original, sem a noção do seu sentido, rendia-se exclusivamente ao poder do signo. Tinha dessa forma a oportunidade de inexprimir o que era inexprimível.
Para Barthes existiria um instante puro capaz de exprimir uma memória sem recordações. Como se tratasse da poesia do real projetado em múltiplos fragmentos até ao infinito, mas apreendido na totalidade no momento em que se despojava definitivamente de uma qualquer conotação associada.
O mundo era algo de abstrato que o incitava a tudo procurar traduzir em texto. Por isso a sua escrita era torrencial e fragmentária, mesmo quando a dedicava à mãe com quem vivera uma relação muito próxima, quase com o seu quê de incestuoso. E nunca sem se deixar tentar pela estrutura do romance. Algo que os seus discípulos não acataram, porque têm sido muitas as tentativas de dar forma ficcional aos conceitos filosóficos do mestre.
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