Em 1963 a criação de histórias em torno do mundo da espionagem conheceu dois títulos, que não podiam ser mais opostos na forma como a descreviam: «007, Ordem para Matar», o primeiro filme da longa linhagem do espião criado por Ian Fleming não podia ser mais maniqueísta. Os serviços secretos ocidentais eram os bons (em tudo, até na cama com a inserção das concupiscentes Bond girls), enquanto os russos eram ruins como as cobras.
Pelo contrário, o romance «O Espião que veio do frio» de John Le Carré demonstrava que, nesse mundo clandestino, a falta de escrúpulos funcionava para os dois lados, e, porventura, até se poderia considerar mais crapulosa no que ao Ocidente dizia respeito.
Tive agora a oportunidade de rever a sua adaptação para cinema, rodada há precisamente cinquenta anos, por Martin Ritt. E, mais do que o mérito em si da realização ou das interpretações dos atores (sobretudo Richard Burton e Claire Bloom), continua a prevalecer a engenhosidade da intriga.
O protagonista é Alex Leamas, chefe dos serviços britânicos em Berlim, que vê um dos seus agentes no lado oriental a ser assassinado quando buscava passar para ocidente. A culpa é de Mundt, o homólogo comunista, que tem sucessivamente eliminado os melhores contactos de Leamas, frustrando-lhe os intentos de conseguir informações relevantes do inimigo.
Quando os seus chefes em Londres o desafiam para uma missão destinada a matar esse inimigo, Leamas não hesita em aceitar. Cria, assim, a imagem de um alcoólico depressivo, que acaba despedido do emprego e só consegue outro, de recurso, na biblioteca de uma fundação particular. Tem aí a oportunidade de conhecer Nancy Perry, uma colega assumidamente comunista, com quem começa a namorar.
Na sequência de uma briga, Leamas vai parar à prisão, sendo então esperado por um agente da Alemanha de Leste, que o insta a colaborar com o seu país mediante um generoso pagamento.
A missão parece encaminhar-se para o almejado sucesso, quando, já em território alemão contacta com Fiedler, o adjunto de Mundt a quem fornece informações, aparentemente irrelevantes, mas que o conduzem a suspeitar do seu chefe.
Se Mundt começa por prender Fiedler e Leamas acusando-os de traição, vê-se por sua vez julgado devido às suspeitas, que eles tinham suscitado a seu respeito e que o inculpariam como espião a soldo dos britânicos.
Quando Leamas já julgava a sua missão coroada de sucesso, dá-se o golpe de teatro: o advogado de Mundt convocara Nancy Perry e, involuntariamente, ela desmascara a verdadeira razão da presença do amante ali.
Resta a Leamas salvá-la com a confissão do objetivo da sua aproximação aos serviços secretos alemães. Mas, na mesma noite, Mundt possibilita a fuga de ambos, demonstrando a razão das suspeitas de Fiedler.
A exemplo do espião ocidental, que Mundt mandara matar quando estava prestes a chegar à salvação, também Leamas e Nancy chegam ao muro e acabam alvejados, porque já não tinham qualquer préstimo para a espionagem britânica .
Há, pois, uma lógica matemática e perversa, sem espaço para os estados de alma. Todos os personagens estão encerrados nos seus labirintos sem hipótese de deles se libertarem. Os muros estão por todo o lado e os personagens são meros peões movimentados por instâncias superiores sem terem disso consciência. E as vítimas são os mais ingénuos, os que acreditavam sinceramente em valores e não se conseguem aperceber da supremacia dos cínicos.
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